sábado, 16 de fevereiro de 2013

O poder de escolher


Por que tantas pessoas escolhem o sofrimento? Tenho uma amiga cujo companheiro abusa fisicamente dela e que já viveu o mesmo problema em uma relação anterior. Por que ela escolhe esse tipo de homem e por que se recusa a sair dessa situação?

Sei que a palavra escolher é um termo muito usado na Nova Era, mas não é apropriado ao presente contexto. É uma ilusão dizer que alguém “escolhe” um relacionamento problemático ou alguma outra situação negativa na vida. Uma escolha sugere uma consciência, um alto grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A escolha começa no instante em que nos desidentificamos da mente e de seus padrões condicionados, o instante em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse ponto, você está inconsciente, espiritualmente falando. Significa que você foi obrigado a pensar, sentir e agir de determinadas maneiras, de acordo com o condicionamento da sua mente. É por isso que Jesus disse: “Perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem”. Isso não está relacionado à inteligência no sentido convencional da palavra. Já encontrei inúmeras pessoas altamente inteligentes e educadas que eram também completamente inconscientes, o que significa dizer, completamente identificadas com suas mentes. Na verdade, se o desenvolvimento mental e o aumento do conhecimento não são contrabalançados por um crescimento correspondente na consciência, o potencial para a infelicidade e o desastre é muito grande.

Sua amiga está paralisada em um relacionamento com um parceiro abusivo e não é a primeira vez. Por quê? Porque não escolheu. A mente, condicionada como é pelo passado, sempre busca recriar o que conhece e com o que está familiarizada. Mesmo que seja doloroso, ao menos é familiar. A mente sempre se apega ao que lhe é familiar. O desconhecido é perigoso porque ela não tem controle sobre ele. É por isso que a mente não gosta do momento presente e prefere ignorá-lo. A percepção do momento presente cria um espaço, não somente no fluxo da mente, mas também no contínuo do passado e futuro. Nada realmente novo e criativo pode acontecer nesse mundo a não ser através desse espaço, um espaço nítido com infinitas possibilidades.

Portanto, sua amiga pode estar recriando um padrão aprendido no passado no qual a intimidade e o abuso eram inseparavelmente relacionados. Por outro lado, ela pode estar representando um padrão mental aprendido na infância, segundo o qual ela é alguém desprezível e merece ser punida. É também possível que ela viva grande parte da vida através do sofrimento, que está sempre em busca de mais sofrimento para se alimentar. O parceiro também tem seus próprios padrões inconscientes, que completam os dela. Quem criou essa situação? A sua própria amiga, ou melhor, o falso eu interior dela, um padrão mental e emocional do passado, nada mais do que isso. Se você lhe disser que ela escolheu essa situação, estará reforçando o estado de identificação dela com a mente. Mas o padrão mental é ela? Sua verdadeira identidade é derivada do passado? Mostre à sua amiga como ser a presença observadora por trás dos pensamentos e das emoções. Conte-lhe sobre o sofrimento e como se libertar dele. Ensine-a a arte da percepção do corpo interior. Demonstre o sentido da presença. Assim que ela for capaz de acessar o poder do Agora e, em conseqüência, romper com o passado condicionado, ela vai ter uma escolha.

Ninguém escolhe o problema, a briga, o sofrimento. Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque não existe presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar a escuridão. Você não está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio tempo, a mente condicionada está governando a sua vida.

Do mesmo modo, se você é uma das inúmeras pessoas que têm assuntos mal resolvidos com os pais, se ainda guarda ressentimentos por alguma coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então você ainda acredita que eles tiveram uma escolha e que poderiam ter agido diferente. Sempre parece que as pessoas fizeram uma escolha, mas isso é ilusão. Enquanto a sua mente, com os seus padrões de condicionamento, dirigir a sua vida, enquanto você for a sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma. Você não está nem ligando. O estado identificado com a mente é altamente defeituoso. É uma forma de insanidade. Quase todas as pessoas estão sofrendo dessa doença em vários graus. No momento em que você perceber isso, não haverá mais ressentimento. Como você pode se ressentir com a doença de alguém? A única resposta adequada é compaixão.

Quer dizer que ninguém é responsável pelos atos que pratica? Não gosto dessa idéia.

Se você é governado pela mente, embora não tenha escolha, vai sofrer as conseqüências da sua inconsciência e criar mais sofrimento. Você vai carregar o fardo do medo, das disputas, dos problemas e do sofrimento. Até que o sofrimento force você, no final, a sair do seu estado de inconsciência.

O que você diz a respeito da escolha também se aplica ao perdão, suponho. Precisamos estar inteiramente conscientes e entregues antes de poder perdoar.

“Perdão” é uma palavra que vem sendo usada há mais de dois mil anos, mas a maioria das pessoas tem uma visão muito limitada do que ela significa. Não podemos perdoar a nós mesmos ou aos outros enquanto extrairmos do passado o nosso sentido do eu interior. Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio poder, pode haver um verdadeiro perdão. Isso tira a força do passado e você percebe, profundamente, que nada que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia atingir, nem de leve, a radiante essência de quem você é. Todo o conceito de perdão se torna então desnecessário.

E como chego a esse ponto de consciência?

Quando nos rendemos àquilo que é e assim ficamos inteiramente presentes, o passado deixa de ter qualquer força. Não precisamos mais dele. A presença é a chave. O Agora é a chave.

Quando vou saber que me entreguei?

Quando você não precisar mais fazer essa pergunta.

O caminho da cruz



Existem muitos relatos de pessoas que dizem ter encontrado Deus através de um sofrimento profundo, e há também a expressão cristã “o caminho da cruz”, que acredito apontar para a mesma coisa.

Esse é o nosso principal interesse aqui. Na verdade, essas pessoas não encontraram Deus através do sofrimento, porque sofrimento supõe resistência. Elas encontraram Deus através da entrega, da completa aceitação daquilo que é, aonde chegaram por força do sofrimento intenso por que passaram. Elas devem ter percebido, em algum momento, que eram elas que geravam o sofrimento.

Como você compara a entrega com o encontro com Deus?

Como a resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o fim da atuação dominadora da mente, do impostor fingindo ser “você”, o falso deus. Todo o julgamento e toda a negatividade se dissolvem. A região do Ser, que tinha sido encoberta pela mente, se abre. De repente, surge uma grande serenidade dentro de você, uma imensa sensação de paz. E dentro dessa paz existe uma grande alegria. E dentro dessa alegria existe amor. E lá no fundo está o sagrado, o incomensurável, o que não pode ser nomeado.

Não chamo isso de encontrar Deus, porque como se pode encontrar o que nunca foi perdido, a própria vida que é você? A palavra Deus é limitadora, não somente por causa de milhares de anos de má interpretação e uso equivocado, mas também porque pressupõe uma outra identidade que não é você. Deus é o próprio Ser, não um ser. Não pode haver nenhuma relação aqui de sujeito-objeto, nenhuma dualidade, nenhum você e Deus. A percepção de Deus é a coisa mais natural que existe. O fato estranho e incompreensível não é que possamos nos tornar conscientes de Deus, mas sim que não somos conscientes de Deus.

O caminho da cruz a que você se referiu é o velho caminho para a iluminação, e até recentemente era o único caminho. Mas não o rejeite nem subestime sua eficácia. Ele ainda funciona.

O caminho da cruz é uma inversão completa. Significa que a pior coisa na sua vida, a sua cruz, se transforma na melhor coisa que já aconteceu, ao forçar você para a entrega, para a “morte”, ao forçar você a se tornar nada, a se tornar como Deus, porque Deus também é coisa nenhuma.

Nesse momento, para a maioria inconsciente dos seres humanos, o caminho da cruz ainda é o único caminho. Eles só vão acordar através de mais sofrimento e a iluminação, como um fenômeno coletivo, será precedida por grandes revoluções. Esse processo reflete o funcionamento de certas leis universais que governam o crescimento da consciência e já previsto por alguns videntes. Ele é descrito, dentre outros lugares, no Livro das Revelações ou Apocalipse, embora disfarçado em uma simbologia obscura e algumas vezes incompreensível. Esse sofrimento não é imposto por Deus, mas pelos próprios humanos, assim como por certas medidas defensivas que a Terra, que é um organismo vivo e inteligente, vai adotar para se proteger do ataque furioso da loucura humana.

Entretanto, existe um número crescente de seres humanos cuja conscientização está suficientemente desenvolvida para não precisar de nenhum sofrimento adicional antes de alcançar a iluminação. Talvez você seja um deles.

A iluminação através do sofrimento, o caminho da cruz, significa ser levado para o reino dos céus, esperneando e gritando. Você finalmente se entrega porque já não suporta mais sofrer. A iluminação escolhida conscientemente significa abandonar nossos apegos ao passado e ao futuro e fazer do Agora o ponto principal da nossa vida. Significa escolher permanecer no estado de presença e não no tempo. Significa dizer sim àquilo que é. Você já não precisa mais sofrer. De quanto tempo você precisa para ser capaz de dizer “Não vou mais criar dores, nem sofrimentos”? Quanto você ainda tem que sofrer antes de fazer essa escolha?

Se você pensa que precisa de mais tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o sofrimento são inseparáveis.

Transformando o sofrimento em paz




Li a respeito de um filósofo estóico na Grécia antiga que, ao saber da morte do filho em um acidente, respondeu: “Eu sabia que ele não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a desejo para mim. Existem algumas situações em que a entrega parece uma coisa forçada e desumana.

Suprimir nossos sentimentos não é entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do filósofo, quando disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser impossível aceitar o Agora, mas sempre temos uma segunda chance na entrega.

Nossa primeira chance é nos entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que aquilo que é não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim àquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos o que tem de ser feito, o que quer que a situação exija. Se nos submetemos a esse estado de aceitação, deixamos de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de não-resistência, um estado de graça e de luz, livre das disputas.

Sempre que você for incapaz de realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque não está gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do padrão de resistência habitual, seja porque as circunstâncias são tão extremas que são completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma de dor, alguma forma de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o sofrimento, mas não é bem assim: a responsável é a sua resistência.

Aqui está a sua segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então, como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação. Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.

Não consigo entender como alguém pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o sofrimento é a não-entrega. Como poderia me entregar à não-entrega?

Esqueça a entrega por um instante. Quando a sua dor é profunda, tudo o que se disser a respeito de entrega vai, provavelmente, lhe parecer superficial e sem sentido. Quando o seu sofrimento é profundo, você provavelmente tem um grande anseio de escapar e de não se entregar a ele. Você não quer sentir o que está sentindo. O que pode ser mais normal? Mas não tem escapatória, nenhuma saída. Existem algumas pseudo-saídas como o trabalho, a bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as abstenções, etc., mas elas não libertam você do sofrimento. O sofrimento não diminui de intensidade quando você o torna inconsciente. Quando você nega o sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer, como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente. Se essas pessoas estiverem inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você pode machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e transmite aquilo que corresponde ao seu estado interior.

Quando não existe caminho para fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja do sofrimento. Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense a respeito dele! Fale dele, se necessário, mas não crie uma história na sua mente a respeito dele. Dê toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao acontecimento que pode tê-lo provocado. Não permita que a mente use o sofrimento para criar uma identidade de vítima para você em função dele. Sentir pena de si mesmo e contar a sua história aos outros vai fazer com que você fique paralisado no sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento, a única possibilidade de mudança é se mover em direção a ele, do contrário, nada vai mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que você sente e evite dar um nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique intensamente alerta. No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e quando vier o impulso para se afastar, observe-o, mas não se deixe guiar por ele. Permaneça colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o pesar, o medo, o pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com todo o seu Ser, com cada célula do seu corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.

Nesse ponto, você não precisa mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção completa é a aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa, você está usando o poder do Agora, que é o poder da sua presença. Nenhum indício de resistência consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo. Sem o tempo, nenhum sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.

A aceitação do sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente. Quando tiver morrido essa morte, você perceberá que não existe morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio de sol que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência e, assim, cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente libertadora?

Você quer ter uma morte fácil? Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para o passado a cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e limitado “eu” que você pensou que era “você”.

Quando a infelicidade ataca



No que diz respeito à maioria da população ainda inconsciente, somente uma situação crítica tem o potencial de quebrar a dura casca do ego e forçar as pessoas a uma entrega e, desse modo, a um estado iluminado. Uma situação-limite surge quando uma infelicidade, uma mudança drástica, uma perda ou sofrimento profundo despedaça todo o mundo da pessoa, tornando-o sem sentido. É um encontro com a morte, seja ela física ou psicológica. A mente, a criadora desse mundo, entra em colapso. Das cinzas desse velho mundo, um novo mundo pode, então, passar a existir.

Não existe nenhuma garantia de que uma situação-limite vai fazer isso acontecer, mas o potencial está sempre ali. A resistência de algumas pessoas àquilo que é pode até aumentar em uma situação como essa, tornando a vida um inferno. Outras pessoas podem se entregar parcialmente, mas mesmo isso vai lhes dar uma profundidade e uma serenidade que elas não tinham antes. A casca do ego se quebra em alguns pontos e isso permite que pequenas porções de esplendor e de paz brilhem.

As situações-limite têm produzido muitos milagres. Muitos assassinos que estavam no corredor da morte à espera da execução experimentaram, em suas últimas horas de vida, uma existência dissociada do ego e a profunda paz e alegria que a acompanham. A resistência interior à situação em que se encontravam se tornou tão intensa que produziu um sofrimento insuportável, e não havia nenhum lugar para onde correr e nada a fazer para escapar dela, nem mesmo um projeto da mente para o futuro. Assim, eles foram forçados a uma completa aceitação do inaceitável. Foram forçados à entrega. Nesse sentido, foram capazes de penetrar no estado de graça que traz a redenção: uma libertação completa do passado. Não é a situação-limite que dá espaço ao milagre da graça e da redenção, mas sim o ato de entrega.

Portanto, sempre que acontecer uma desgraça ou alguma coisa de ruim em sua vida – uma doença, a perda da casa, do patrimônio ou de uma posição social, o rompimento de um relacionamento amoroso, a morte ou o sofrimento por alguém, ou a proximidade da sua própria morte –, saiba que existe um outro lado e que você está a apenas um passo de distância de algo inacreditável: uma completa transformação alquímica da base de metal da dor e do sofrimento em ouro. Esse passo simples é chamado de entrega.

Não estou querendo dizer que você vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o medo e o sofrimento vão se transformar em uma paz interior e uma serenidade que vêm de um lugar muito profundo, do próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento”. Comparada a isso, a felicidade é quase uma coisa superficial. Com essa paz radiante, vem a percepção – não no nível da mente, mas dentro das profundezas do seu Ser – de que você é indestrutível, imortal. Isso não é uma crença. É uma certeza absoluta, que não precisa de uma manifestação exterior nem de qualquer prova.

Transformando a doença em iluminação



Se alguém está seriamente doente e aceita a doença, será que não estaria abrindo mão de sua vontade de recuperar a saúde? Ainda teria determinação para combater a doença?

A entrega é a aceitação interior daquilo que é, sem nenhuma condição. Estamos falando sobre a sua vida, este momento, e não sobre as condições ou circunstâncias da sua vida, não daquilo que eu chamo situação de vida. Já tratamos desse assunto.

As doenças fazem parte da nossa situação de vida. Assim, possuem um passado e um futuro. O passado e o futuro formam um contínuo sem interrupção, a menos que o poder redentor do Agora seja ativado através da nossa presença consciente. Como você sabe, por baixo das várias condições que constituem a nossa situação de vida, que existe no tempo, há uma coisa mais profunda, mais essencial: a sua Vida, o seu próprio Ser dentro do eterno Agora.

Como não existem problemas no Agora, as doenças também não existem. Acreditar em um rótulo que alguém confere às nossas condições fortalece-as e constrói uma realidade aparentemente sólida em torno de um desequilíbrio temporário. Isso não só confere realidade e solidez, mas também uma continuidade no tempo que não havia antes. Ao se concentrar neste instante e evitar rotular a doença mentalmente, ela se reduz a um dos seguintes fatores: sofrimento físico, fraqueza, desconforto ou invalidez. É a isso que você se entrega, agora. Você não se entrega à idéia da “doença”. Deixe o sofrimento trazer você para o momento presente, para um estado de presença intensa consciente. Use-o para a iluminação.

A entrega não transforma aquilo que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você. Quando você estiver transformado, todo o seu mundo fica transformado, porque o mundo é somente um reflexo. Se você se olha no espelho e não gosta do que vê, tem que ter enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É exatamente assim que você age quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente, se você agride a imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não importa qual ela seja, se tem uma postura amigável em relação a ela, a imagem não consegue não se tornar amigável em relação a você. É dessa forma que você consegue mudar o mundo.

A doença não é o problema. Você é o problema, enquanto a mente estiver no controle. Quando você estiver doente ou incapacitado, não sinta que fracassou de alguma forma, não sinta culpa de nada. Não culpe a vida por tratar você tão mal, mas também não se culpe de nada. Tudo isso é resistência. Se você tem uma doença grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer na sua vida para alcançar a iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela nenhum passado ou futuro. Deixe-a forçar você para a percepção intensa do momento presente. E veja o que acontece.

Torne-se um alquimista. Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a infelicidade em iluminação.

Você está gravemente doente e sentindo raiva do que acabei de dizer? Então esse é um sinal claro de que a doença se tornou parte do seu sentido de eu interior e que, neste momento, você está protegendo a sua identidade e também protegendo a doença. A circunstância que foi rotulada de “doença” não tem nada a ver com quem você realmente é.

A entrega nos relacionamentos pessoais



E quanto às pessoas que querem me usar, manipular ou controlar? Tenho de me entregar a elas?

Elas estão isoladas do Ser e tentam inconscientemente sugar sua força e energia. Somente alguém inconsciente vai tentar usar ou manipular os outros, mas também é verdade que apenas as pessoas inconscientes podem ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe ao comportamento inconsciente dos outros, também fica inconsciente. Porém, a entrega não significa uma permissão para que pessoas inconscientes usem você. De jeito nenhum. É possível dizer “não” de modo firme e claro para alguém e, ao mesmo tempo, permanecer em um estado de não resistência interior. Ao dizer “não” a uma pessoa ou situação, você não deve reagir, mas sim agir de acordo com um insight, uma firme convicção do que é certo ou errado para você naquele momento. Permita que isso seja um “não” sem reação, um “não” de alta qualidade, um “não” livre de toda a negatividade e, desse modo, não gere mais sofrimento.

Estou passando por uma situação desagradável no trabalho. Tentei me entregar a ela, mas achei impossível. Uma grande dose de resistência continua a aparecer.

Se você não consegue se entregar, aja imediatamente. Fale ou faça alguma coisa para provocar uma mudança na situação, ou se afaste dela. Seja responsável pela sua vida. Não polua o seu lindo e radiante Ser interior com negatividade. Não transmita infelicidade, nem deixe que ela crie um lugar dentro de você.

A não-resistência também deve regular nossa conduta externa, como por exemplo uma não-resistência à violência, ou é algo que só interessa à nossa vida interior?

Você só precisa se preocupar com o aspecto interno. Isso é fundamental. É claro que ele vai acabar modificando suas atitudes externas, seus relacionamentos, etc.

Seus relacionamentos vão mudar profundamente através da entrega. Se você nunca consegue aceitar o que é, conseqüentemente não é capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre julgando, criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar as pessoas. Além disso, se continuar a transformar o Agora em um meio para atingir um fim no futuro, também vai considerar as pessoas com quem se relaciona como um meio para atingir um objetivo. O relacionamento, o ser humano, passa a ter uma importância secundária para você, ou mesmo nenhuma importância. O que vale é o que você consegue extrair do relacionamento: um ganho material, uma sensação de poder, um prazer físico, ou alguma forma de gratificação do ego.

Deixe-me ilustrar como a entrega pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma discussão ou um conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva quando a sua própria posição é atacada, sinta a potência da sua própria agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecê-la, ao senti-la o mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você descobre que pode fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só para ver o que acontece. Você se entrega. Não quero dizer abrir mão da sua reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a resistência para um outro nível, com a mente ainda no comando, considerando-se superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia mental e emocional que estava disputando o poder dentro de você.

O ego é esperto, portanto, você tem de estar alerta, presente e ser 100 por cento honesto consigo mesmo para verificar se abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se libertou, assim, da sua mente. Se você se sentir leve, livre e profundamente em paz, é sinal de que você se entregou completamente. Observe então o que acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a energiza ao oferecer resistência. Quando abrimos mão da identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira comunicação.

E quanto à não-resistência diante da violência?

Não-resistência não significa necessariamente não fazer nada. Significa que qualquer “fazer” se toma não-reação. Lembre-se da profunda sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais: não ofereça resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.

Tendo estabelecido isso, “não fazer nada” quando estamos em um estado de intensa presença é um poderoso transformador e curador de situações e de pessoas. No taoísmo, existe a expressão wu wei, que é comumente traduzida por “atividade sem ação” ou “sentar-se silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga China, isso era considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes. É radicalmente diferente da inatividade, no estado comum da consciência, ou melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na indolência ou na indecisão. O verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um intenso estado de alerta.

Por outro lado, caso haja necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente. Nesse estado, a mente é livre de conceitos, incluindo o conceito da não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?

O ego acredita que a nossa força reside em nossa resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o Ser em sua pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a “fraqueza”, que, na verdade, é o nosso poder.

Até que haja a entrega, a representação inconsciente de determinados papéis se constitui em grande parte da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais. “Isso é perigoso”, diz o ego. “Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável”. O ego não sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos vulneráveis, é que podemos descobrir a nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.

Da energia da mente para a energia espiritual



Livrar-se da resistência não é uma tarefa fácil. Continuo sem saber como fazer isso.

Comece por admitir que é resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer. Observe de que modo a sua mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo, ou aos outros. Observe o processo de pensamento envolvido. Sinta a energia da emoção. Ao testemunhar a resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum propósito. Ao focalizar toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente passa a ser consciente, e isso é o fim dela. Você não pode estar infeliz e consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de sofrimento, significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente.

Eu tenho certeza de que posso estar consciente da minha infelicidade.

Você escolheria a infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a está mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a verdade é que você está identificado com ela e mantém vivo esse processo de identificação, através de um pensamento compulsivo. Tudo isso é inconsciência. Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente presente no Agora, toda a negatividade iria se dissolver quase instantaneamente. Ela não conseguiria sobreviver na sua presença. Só consegue sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o sofrimento consegue sobreviver muito tempo diante da presença. Você mantém a infelicidade viva quando dá tempo a ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo, concentrando uma percepção intensa no momento presente, e ela morre. Mas você quer mesmo que ela morra? Você já teve mesmo o bastante dela? Quem você seria sem ela?

Até que você pratique a entrega, a dimensão espiritual é algo a respeito do que você já leu, ouviu falar, escreveu, pensou, acreditou ou não. Não faz diferença. Não até que a entrega tenha se tornado uma realidade em sua vida. No momento da entrega, a energia que você desprende e que passa a governar sua vida é de uma freqüência vibracional muito maior do que a energia da mente, que ainda governa as estruturas sociais, políticas e econômicas da nossa civilização e que se perpetua através da propaganda e dos sistemas educacionais. Através da entrega, a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela não gera sofrimento para você, para outros seres humanos ou para qualquer outra forma de vida no planeta. Ao contrário da energia da mente, ela não polui a terra e não está sujeita à lei das polaridades, que diz que nada pode existir sem o seu oposto e que não pode haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam dominados pela mente – a grande maioria da população – não percebem a existência da energia espiritual. Ela pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo diferente quando um número suficiente de seres humanos entrar no estado de entrega e se tornar totalmente livre da negatividade. Se a Terra sobreviver, essa será a energia daqueles que a habitarem.

Jesus se referiu a essa energia quando proferiu seu famoso e profético Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os mansos porque herdarão a Terra”. É uma presença silenciosa mas intensa, que dissolve os padrões inconscientes da mente. Eles podem até permanecer ativos por um tempo, mas não vão mais governar a sua vida. As condições externas, que apresentavam uma resistência, também tendem a mudar ou a se dissolver através da entrega. Essa energia é um poderoso agente transformador de situações e de pessoas. Caso as condições não mudem imediatamente, a sua aceitação do Agora permite que você se coloque acima delas. De qualquer forma, você está livre.

O SIGNIFICADO DA ENTREGA - A aceitação do Agora


O SIGNIFICADO DA ENTREGA


A aceitação do Agora


Você mencionou a palavra “entrega” algumas vezes. Essa idéia não me agrada. Soa um pouco fatalista. Se aceitarmos sempre as coisas como elas são, não vamos fazer nenhum esforço para melhorá-las. Para mim, o significado de progresso, tanto em nossa vida pessoal quanto em coletividade, é não aceitarmos as limitações do presente e nos empenharmos para ir além, para superá-las e criar coisas melhores. Se não tivéssemos agido assim, ainda estaríamos vivendo em cavernas. Como conciliar essa entrega com a mudança e a realização das coisas?

Para muitas pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma desistência, uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que nos aconteça e não fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo novo.

A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que é. A resistência interior acontece quando dizemos “não” para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas “vão mal”, o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do sofrimento. Se você já tiver vivido bastante tempo, certamente saberá que as coisas “vão mal” com muita freqüência. É precisamente nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada, caso queiramos eliminar o sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com a mente e nos religa com o Ser. A resistência é a mente.

A entrega é um fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos de aceitar quando falo de entrega, mas apenas o segmento minúsculo chamado o Agora.

Por exemplo, se você estiver atolado na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar atolado nessa lama”. Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa aceitar uma situação indesejável ou desagradável na sua vida. Nem precisa se iludir e dizer que não tem nada errado em estar atolado na lama. Nada disso. Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento presente, sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso significa que não existe nenhum julgamento do Agora. Em conseqüência, não existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência” do momento. A seguir, toma uma atitude e faz tudo o que puder para sair da lama. Chamo essa atitude de ação positiva. Funciona muito mais do que uma ação negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração. Até que alcance o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster de rotular o Agora.

Vou fazer uma analogia visual para ilustrar o ponto que estou sustentando. Você está andando por uma estrada à noite, com uma neblina cerrada, mas possui uma lanterna potente que corta a neblina e cria um espaço estreito e nítido na sua frente. A neblina é a sua situação de vida, que inclui o passado e o futuro. A lanterna é a sua presença consciente, e o espaço nítido é o Agora.

Não se entregar endurece a forma psicológica, a casca do ego, e assim cria uma forte sensação de separação. O mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como ameaças. Surge uma compulsão inconsciente para destruir os outros através do julgamento e uma necessidade de competir e dominar. Até mesmo a natureza vira sua inimiga e o medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das coisas. A doença mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente mais aguda desse estado normal, embora disfuncional, da consciência.

A resistência faz com que tanto a sua mente quanto o seu corpo fiquem mais “pesados”. A tensão se manifesta em diferentes partes do corpo, que se contrai para se defender. O fluxo de energia vital, essencial para o funcionamento saudável do corpo, fica prejudicado. Algumas formas de terapia corporal podem ser úteis para restaurar esse fluxo, mas a menos que você pratique a entrega na sua vida diária, essas coisas só podem lhe proporcionar um alívio temporário, porque a causa, o padrão de resistência, não foi ainda dissolvida.

Porém, existe alguma coisa dentro de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias que constroem a sua situação de vida e a que você só tem acesso através da entrega. Trata-se da sua vida, do seu próprio Ser, que existe no eterno domínio do presente. Encontrar essa vida é “a única coisa necessária” de que Jesus falava.


Se a sua situação de vida é insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você vai conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a permanência dessa situação.

A entrega é perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos. Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui naquilo que fazemos. A entrega nos religa com a fonte de energia do Ser, e, se as nossas ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre celebração da energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora. Através da não-resistência, a qualidade da nossa consciência, e, portanto, a qualidade do que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem medidas. Os resultados vão falar por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar isso de “ação de entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por milhares de anos. À medida que mais seres humanos despertarem, a palavra trabalho vai desaparecer do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra para substituí-la.

A qualidade da sua consciência neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você vai viver. Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer para provocar uma mudança positiva. Qualquer outra coisa que você fizer será secundária. Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de consciência onde não existe entrega.

Consigo entender que, se estou em uma situação desagradável ou insatisfatória e aceito o momento como ele se apresenta, não haverá nenhum sofrimento ou infelicidade. Terei passado por cima deles. Mas ainda não entendo de onde poderia se originar a energia para provocar uma mudança, sem que existisse uma certa dose de insatisfação.

No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se realizam e como o milagre da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse: “Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam”.

Se a sua situação geral é insatisfatória ou desagradável, separe esse instante e entregue-se ao que é. Eis aqui a lanterna cortando através da neblina. O seu estado de consciência deixa então de ser controlado pelas condições externas. Você não age mais a partir de uma resistência ou de uma reação.

Olhe para uma situação específica e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar essa situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a atitude adequada. Não se prenda às mil coisas que você vai ter que fazer em algum tempo futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora. 

Isso não significa que você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa que você possa fazer agora. Mas certifique-se de que você não vai começar a rodar “filmes mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o Agora. Talvez a atitude que você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não resista ao que é. Se não houver nada que possa fazer e você também não puder escapar da situação, use isso para poder ir mais fundo na entrega, mais fundo no Agora, mais fundo no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a mudança sempre acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande quantidade de atitudes da sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa. Se fatores internos como o medo, a culpa ou a indolência impedem você de tomar uma atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.

Não confunda entrega com uma atitude do tipo “não ligo mais para nada”. Essas atitudes estão cheias de negatividade na forma de um ressentimento oculto, portanto não se trata de entrega mas de uma resistência disfarçada. Ao se entregar, dirija a sua atenção para dentro para verificar se existe algum traço de resistência que tenha ficado no seu interior. Fique bem alerta ao fazer isso, do contrário um resíduo de resistência pode ter ficado escondido em algum cantinho escuro, na forma de um pensamento ou de uma emoção desconhecida.

Em direção a uma ordem de realidade diferente



Não concordo que o corpo precise morrer. Estou convencido de que podemos obter a imortalidade física. Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.

O corpo não morre porque acreditamos na morte. O corpo existe, ou assim parece, porque acreditamos na morte. O corpo e a morte são partes da mesma ilusão, criada pelo modo egóico de consciência, que não tem percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo como uma coisa separada e sob constante ameaça. Assim, ele cria a ilusão de que somos um corpo, um veículo físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.

A ilusão está em percebermos a nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e pouco depois morre. Corpo e morte: uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos manter um lado da ilusão e nos livrarmos do outro, mas isso é impossível.

Entretanto, você não pode escapar do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma percepção incrivelmente distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira natureza está disfarçada em algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de fora, portanto o corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.

Se você vê um anjo, mas o confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você precisa fazer é adaptar a sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não olhar para outro lado. Você então percebe que aquilo nunca foi uma estátua de pedra.

Se a crença na morte cria o corpo, por que um animal tem corpo? Um animal não tem um ego e não acredita na morte...

Mas ele morre, ou parece que morre.

Lembre-se de que a nossa percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de consciência. Não estamos separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada momento, a nossa consciência cria o mundo em que habitamos. Um dos maiores insights que a física moderna teve foi o da unidade entre o observador e o observado: a pessoa que conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser separada dos fenômenos observados, e uma nova maneira de olhar leva os fenômenos observados a se comportarem de maneira diferente. Se você acredita na separação e na luta pela sobrevivência, vê essa crença refletida à sua volta e as suas percepções acabam sendo governadas pelo medo. Você vive num mundo de morte, lutas, uns atacando e matando os outros.

Nada é o que parece ser. O mundo que você criou e vê através da mente pode parecer um lugar bem imperfeito, até mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você perceba é somente uma espécie de símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito pelo qual a sua consciência interpreta e interage com a dança de energia molecular do universo. Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física. Você a vê em termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela sobrevivência. Existe um número infinito de interpretações diferentes, de mundos completamente diferentes, tudo dependendo do que a consciência percebe. Cada ser é um ponto focal da consciência e cada ponto focal cria o seu próprio mundo, embora todos esses mundos se interliguem. Existe um mundo humano, um mundo das formigas, um mundo dos golfinhos, etc. Existem incontáveis seres cuja freqüência de consciência é tão diferente da nossa que provavelmente não temos consciência da existência deles, assim como eles não têm da nossa. Seres altamente conscientes da ligação que mantêm com a Fonte habitam um mundo que para nós pareceria com um domínio celeste. Mas ainda assim todos os mundos são basicamente um só.

No momento em que a consciência humana coletiva tiver se transformado, a natureza e o reino animal irão refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que no futuro “o leão vai se deitar ao lado da ovelha”. Isso aponta para a possibilidade de um ordenamento da realidade completamente diferente.

O mundo tal qual se apresenta para nós é em grande parte um reflexo da mente. Sendo o medo uma conseqüência inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo dominado pelo medo. Assim como as imagens em um sonho são símbolos dos estados interiores e dos sentimentos, assim a nossa realidade coletiva é uma expressão simbólica do medo e das pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique coletiva humana. Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria dos humanos se tornar livre da ilusão egóica, essa mudança interior vai afetar toda a criação. Vamos, literalmente, viver em um novo mundo. É uma mudança na consciência do planeta. O estranho ensinamento budista que toda árvore e toda folha de grama irão finalmente se tornar iluminadas aponta para a mesma verdade. De acordo com São Paulo, toda a criação está à espera de que os homens obtenham a iluminação. É assim que interpreto suas palavras: “A criação aguarda, com impaciência, a revelação dos filhos de Deus”. São Paulo diz que todo o universo vai se redimir através disso, ao escrever: “Sabemos, com efeito, que a criação inteira geme, ainda agora, com as dores do parto”.

O que está nascendo é uma nova consciência e, como um reflexo inevitável, um novo mundo. Isso também está relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi, então, um novo Céu e uma nova Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra desapareceram...”

Mas não confunda causa e efeito. Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação através da criação de um mundo melhor, mas sim despertar da nossa identificação com a forma. Não estamos mais presos a este mundo, a este nível de realidade. Podemos sentir nossas raízes no Não Manifesto e assim estamos livres do apego ao mundo manifesto. Ainda podemos desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não somos mais escravos dessas experiências, não estamos mais em busca de satisfação através de uma gratificação psicológica, através da alimentação do ego. Não temos mais medo de perder alguma coisa, portanto não precisamos nos apegar a este mundo. Estamos em contato com algo infinitamente maior do que qualquer prazer, maior do que qualquer coisa manifesta. Em um certo sentido, não precisamos mais do mundo e nem mesmo que ele seja diferente do que é.

É neste ponto que você começa a dar uma contribuição real para criar um mundo melhor, uma nova realidade. É neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira compaixão e de ajudar os outros. Somente aqueles que transcenderam o mundo conseguem criar um mundo melhor.

Você deve lembrar que já falamos sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a percepção de uma ligação tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível profundo, a compaixão se torna um remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua influência curativa se baseia não no fazer, mas no ser. Todas as pessoas com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à sua volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso quebra o ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você ensinará através do ser, através da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do mundo”, uma emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a inconsciência do mundo.


Isso não significa que você não possa também ensinar através da ação – por exemplo, ao apontar como se desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no interior de alguém, etc. Mas quem você é será sempre um ensinamento transformador do mundo mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e até mais essencial do que o que você fizer. Além disso, reconhecer a primazia do Ser – e assim trabalhar no nível da causa – não exclui a possibilidade de que a sua compaixão possa simultaneamente se manifestar no nível da ação e do efeito, ao aliviar o sofrimento sempre que você o encontrar. Quando alguém faminto lhe pedir pão e você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que o seu contato seja muito breve, o mais importante será esse momento do Ser partilhado, do qual o pão é apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala internamente. Nesse momento, não há doador nem receptor.

Como podemos criar um mundo melhor sem acabar primeiro com grandes males, como a fome e a violência?

Todos os males são efeito da inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da inconsciência, mas não podemos eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A verdadeira transformação acontece no interior, não no exterior.

Querer aliviar o sofrimento do mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de não se concentrar exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e desespero. Sem uma profunda mudança na consciência humana, o sofrimento é um buraco sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne unilateral. A empatia com o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser equilibrados com uma profunda percepção da natureza eterna de todas as coisas e com a consciência do aspecto ilusório de todos os sofrimentos. Permita que a sua paz inunde tudo o que você fizer e estará atuando sobre o efeito e a causa ao mesmo tempo.

Se quiser impedir que os seres humanos destruam uns aos outros e acabem com o planeta, lembre-se de que, assim como não consegue combater a escuridão, você também não pode combater a inconsciência. Se tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar fortalecida e mais profundamente arraigada. Você vai se identificar com uma das polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior inconsciente. Eleve a consciência ao disseminar a informação, ou melhor, pratique a resistência passiva. Mas tenha a certeza de que você não carrega nenhuma resistência interior, nenhum ódio, nenhuma negatividade. “Ame os seus inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa: não tenha inimigos.

Uma vez que você se envolva em atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder dentro dele. Fique alerta e muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco inicial; o ensinamento da iluminação, o seu propósito principal, e a paz, o seu mais precioso presente para o mundo.

A natureza da compaixão



Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento, conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno. Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que permanece absolutamente serena. Você não reage a uma mudança ao se apegar mentalmente a qualquer situação. A sua paz interior não depende dela. Você se fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais dependente da satisfação ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente flutuantes. Você pode desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas, apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de se apegar a nenhuma delas.

Quando você consegue se desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres humanos?

Pelo contrário. Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou não da forma deles, não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser. A partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela, por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se confrontar com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa. No nível do Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma conseqüência da identificação com a forma. Milagres de cura às vezes acontecem através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros – se estiverem prontos.

Isso é compaixão?

Sim. A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas existem dois lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda estamos aqui como um corpo físico, partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa forma física com todos os outros seres humanos e todos os seres vivos. Na próxima vez que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que você tem muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita diferença –, os dois terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não deixa muito espaço para o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar os olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas as outras criaturas.

Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que é real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.



A realização dessa dimensão eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um nível mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade, mas também a de todas as outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser, partilhamos a vida eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os sentimentos de tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se transformam em uma profunda paz interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um grande poder de cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever, ainda é rara. Ter uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um alto nível de consciência, mas representa apenas um lado da compaixão. Não é completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia. Não acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da forma, a alegria da vida eterna.

Utilizando e abandonando a negatividade



Toda resistência interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência. Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A negatividade vai de uma irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a resistência faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar.

O ego acredita que, através da negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que deseja. Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma indesejável. O livro A Course in Miracles (Um curso em milagres) destaca corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos infelizes, acreditamos inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o que queremos. Se “você” – a mente – não acreditou que a infelicidade funciona, por que a criaria? O fato é que essa negatividade não funciona. Em vez de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única utilidade é que ela fortalece o ego, e essa é a razão pela qual ele a adora.

Uma vez que você tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma mudança positiva. Ela iria ameaçar a sua identidade como uma pessoa depressiva, zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou sabotar aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é completamente antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo entre o envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que vem sendo acumulada na psique coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no planeta conhece a negatividade, somente os seres humanos, assim como nenhuma outra forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma flor infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de auto-estima, um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro com ódio e ressentimento? Os únicos animais que eventualmente vivenciam alguma coisa semelhante à negatividade, ou mostram sinais de comportamento neurótico, são os que vivem em contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à mente humana e à insanidade deles.

Observe as plantas e animais, aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade – estar em unidade, ser você mesmo, ser verdadeiro. Aprenda como viver e como morrer, e como não fazer do viver e do morrer um problema.

Vivi com alguns mestres zen – todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram importantes lições espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam em paz, de bem com eles mesmos, totalmente presentes no Agora, dignos e perfeitos, tanto quanto uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no entanto, dois patos vão se envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma razão aparente ou porque um pato penetrou no espaço particular do outro. A briga geralmente dura só alguns segundos e então os patos se separam, nadam em direções opostas e batem suas asas com força, por algumas vezes. Então continuam a nadar em paz, como se a briga nunca tivesse acontecido. Quando observei isso pela primeira vez, percebi, num relance, que ao bater as asas eles estavam soltando a energia acumulada, evitando assim que ela ficasse aprisionada no corpo e se transformado em negatividade. Isso é sabedoria natural. É fácil para eles porque não têm uma mente para manter vivo o passado, sem necessidade, e então construir uma identidade em volta dele.


Uma emoção negativa não poderia também conter uma mensagem importante? Por exemplo, se me sinto deprimido com freqüência, será que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e isso pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?

Poderia. As emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu trabalho, seus relacionamentos ou seu ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. E até onde isso interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um certo grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe dizer o que é necessário na sua situação de vida. Mas, enquanto a negatividade estiver lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar mais presente.

Como impedimos que a negatividade surja e como nos livramos dela, já que está lá?

Como já afirmei, você não deixa que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime. Ainda são poucas as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo de presença, embora algumas já estejam chegando bem perto. Acredito que logo serão muitas.

Sempre que perceber alguma forma de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para ela como um fracasso, mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde. Largue a sua mente. Esteja presente”.

Existe um romance de Aldous Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida, quando ele ficou muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a história de um homem que naufragou perto de uma ilha isolada do resto do mundo. Essa ilha era habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre ela é que seus habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A primeira coisa que o náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados nas árvores, que davam a impressão de estar repetindo as palavras “Atenção. Aqui e agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes da ilha ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados para ficar presentes.

Portanto, sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo, um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz dizendo “Atenção. Aqui e Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve irritação é significativa e precisa ser conhecida e observada. Do contrário, haverá um aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei anteriormente, você pode descartá-la assim que perceber que não quer ter esse campo de energia no seu interior e que ele não tem nenhum objetivo. Mas certifique-se de que você se livrou completamente dela. Se não conseguir, simplesmente aceite que ela está ali e concentre a sua atenção no sentimento.

Uma alternativa para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo se tornando transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você pratique primeiro com as coisas do dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em casa. De repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente de carro. Surge uma irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por que você a criou? Você não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação totalmente automática, totalmente inconsciente. Por que a mente a criou? Porque ela sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve como alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição indesejada. Isso naturalmente é uma ilusão. A resistência que ela cria, nesse caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa original que ela está tentando desfazer.

Tudo isso pode ser transformado em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a solidez de um corpo material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver causando a emoção negativa, passe através de você. Ele não está mais golpeando uma “parede” sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as coisas simples. O alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em vez de ter uma parede de resistência dentro de você, que é atingida de modo constante e doloroso pelas coisas que “não deveriam estar acontecendo”, deixe que tudo passe através de você.

Alguém diz alguma coisa grosseira para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente e uma negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você deixa isso passar através de você. Não ofereça resistência. É como se não existisse mais ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse sentido, você se torna invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é inaceitável, se você escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o poder de controlar o seu estado interior. Você passa a estar em seu poder – não mais em poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de carro, uma pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos os seus bens, o mecanismo de resistência é o mesmo.

Pratico a meditação,.freqüento seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de um estado de não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a verdadeira paz interior, minha resposta teria que ser “não”. Por que não a encontrei? O que mais posso fazer?

Você ainda está procurando lá fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo seminário lhe traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não busque a paz. Não busque nenhum outro estado além daquele em que você está agora, do contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência inconsciente. Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a sua intranqüilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite completamente vai lhe levar até lá, vai levar você até a paz. Esse é o milagre da entrega.


Você já deve ter ouvido a frase “dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou há dois mil anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da não-resistência e da não-reação. Nessas palavras, como em todas as que proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com a conduta externa da nossa vida.

Você conhece a história de Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou muitos anos perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto andava pelo mercado, ouviu uma conversa entre um açougueiro e seu freguês. “Me dê o melhor pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o açougueiro respondeu: “Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de carne aqui que não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou iluminado.

Posso ver você esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de carne – todo momento – é o melhor. Isso é iluminação.

A impermanência e os ciclos da vida



Enquanto permanecermos na dimensão física e em conexão com a psique humana coletiva, o sofrimento, embora raro, ainda pode acontecer. Não devemos confundi-lo com o sofrimento emocional. Todo sofrimento é criado pelo ego e fruto de uma resistência. Além disso, nessa dimensão, ainda nos sujeitamos à natureza cíclica e à lei da impermanência de todas as coisas, mas já não vemos mais o sofrimento como uma coisa “má”. Ele simplesmente é.

Ao permitir o “existir” de todas as coisas, uma dimensão mais profunda, por baixo do jogo dos opostos, se revela para nós como uma presença permanente, uma serenidade profunda e estável, uma alegria sem motivos que se situa além do bem e do mal. Essa é a alegria do Ser, a paz de Deus.

No nível da forma existe nascimento e morte, criação e destruição, crescimento e dissolução de espécies aparentemente independentes. Podemos ver isso em tudo: no ciclo da vida de uma estrela ou de um planeta, em um corpo físico, em uma árvore, em uma flor; na ascensão e queda de nações, de sistemas políticos e de civilizações, e também nos inevitáveis ciclos de lucros e perdas que temos na vida.

Existem ciclos de sucesso, como quando as coisas acontecem e dão certo, e ciclos de fracasso, quando elas não vão bem e se desintegram. Você tem de permitir que elas terminem, dando espaço para que coisas novas aconteçam ou se transformem. Se nos apegamos às situações e oferecemos uma resistência nesse estágio, significa que estamos nos recusando a acompanhar o fluxo da vida e que vamos sofrer.

Não é verdade que o ciclo ascendente seja bom e o ciclo descendente seja ruim, a não ser no julgamento da mente. O crescimento é, em geral, considerado positivo, mas nada pode crescer para sempre. Se o crescimento nunca tivesse fim, poderia acabar em algo monstruoso e destrutivo. É necessário que as coisas acabem, para que coisas novas aconteçam.

O ciclo descendente é absolutamente essencial para uma realização espiritual. Você tem de ter falhado gravemente de algum modo, ou passado por alguma perda profunda, ou algum sofrimento, para ser conduzido à dimensão espiritual. Ou talvez o seu sucesso tenha se tornado vazio e sem sentido e se transformado em fracasso. O fracasso está sempre embutido no sucesso, assim como o sucesso está sempre encoberto pelo fracasso. No mundo da forma, todas as pessoas “fracassam” mais cedo ou mais tarde, e toda conquista acaba em derrota. Todas as formas são impermanentes.

Você pode ser ativo e apreciar a criação de novas formas e circunstâncias, mas não se sentirá identificado com elas. Você não precisa delas para obter um sentido de eu interior. Elas não são a sua vida, pertencem à sua situação de vida.

Nossa energia física também está sujeita a ciclos. Não consegue estar sempre no máximo. Teremos momentos de baixa e de alta energia. Em alguns períodos, estaremos altamente ativos e criativos, mas em outros tudo vai parecer estagnado, teremos a impressão de não estarmos indo a lugar nenhum, nem conseguindo nada. Um ciclo pode durar de algumas horas a alguns anos e dentro dele pode haver ciclos longos ou curtos. Muitas doenças são provocadas pela luta contra os ciclos de baixa energia, que são fundamentais para uma renovação. Enquanto estivermos identificados com a mente, não poderemos evitar a compulsão de fazer coisas e a tendência para extrair o nosso valor de fatores externos, tais como as conquistas que alcançamos. Isso torna difícil ou impossível para nós aceitarmos os ciclos de baixa e permitirmos que eles aconteçam. Assim, a inteligência do organismo pode assumir o controle, como uma medida autoprotetora, e criar uma doença com o objetivo de nos forçar a parar, de modo a permitir que uma necessária renovação possa acontecer.

A natureza cíclica do universo está intimamente ligada à impermanência de todas as coisas e situações. Buda fez disso uma parte central de seu ensinamento. Todas as circunstâncias são altamente instáveis e estão em um fluxo constante, ou, como ele colocou, a impermanência é uma característica de cada circunstância, de cada situação com que vamos nos deparar na vida. Elas vão se modificar, desaparecer, ou deixar de proporcionar prazer. A impermanência também é um ponto central dos ensinamentos de Jesus: “Não acumule tesouros na terra, onde as traças e a ferrugem arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar...”

Enquanto a mente julgar uma circunstância “boa”, seja um relacionamento, uma propriedade, um papel social, um lugar, ou o nosso corpo físico, ela se apega e se identifica com ela. Isso faz você se sentir bem em relação a si mesmo e pode se tornar parte de quem você é ou pensa que é. Mas nada dura muito nessa dimensão, onde as traças e a ferrugem devoram tudo. Tudo acaba ou se transforma: a mesma condição que era boa no passado, de repente, se torna ruim. A prosperidade de hoje se torna o consumismo vazio de amanhã. O casamento feliz e a lua-de-mel se transformam no divórcio infeliz ou em uma convivência infeliz. A mente não consegue aceitar quando uma situação com a qual ela tenha se apegado muda ou desaparece. Ela vai resistir à mudança. É quase como se um membro estivesse sendo arrancado do seu corpo.

Às vezes ouvimos falar de pessoas que cometeram suicídio porque perderam a fortuna ou tiveram sua reputação arruinada. Esses são casos extremos. Outras pessoas, ao sofrer uma grande perda, tornam-se profundamente infelizes ou adoecem. Não conseguem distinguir a vida da situação de vida. Li recentemente sobre uma famosa atriz que morreu depois dos oitenta anos e foi ficando cada vez mais infeliz e reclusa conforme envelhecia. Ela estava identificada com uma circunstância: a sua aparência externa. No início, isso lhe deu um sentido feliz do eu interior, depois um sentido infeliz. Se tivesse sido capaz de se conectar com a vida interior, que é dissociada da forma e do tempo, ela poderia ter aceitado o desaparecimento da beleza, observando-a de um lugar de serenidade e paz. Além do mais, sua aparência teria se tornado cada vez mais transparente à luz que brilha através da verdadeira natureza, de modo que a beleza externa não teria sumido, mas se transformado em beleza espiritual. Porém, ninguém contou a ela que isso era possível. O tipo de conhecimento mais básico ainda não está ao alcance de todos.


Buda ensinou que até mesmo a felicidade pessoal é dukka uma palavra da língua páli que significa “sofrimento” ou “insatisfação”. Ela é inseparável do seu oposto. Significa que a felicidade e a infelicidade são, na verdade, uma coisa só. Somente a ilusão do tempo as separa.

Isso não significa uma negatividade. É simplesmente reconhecer a natureza das coisas, para não viver atrás de uma ilusão pelo resto da vida. Nem quer dizer que você não deva mais apreciar os objetos e as circunstâncias agradáveis e bonitas. Porém, usá-los para procurar aquilo que não podem dar – uma identidade, um sentido de permanência e satisfação – é uma receita para a frustração e o sofrimento. Toda a indústria da propaganda e a sociedade de consumo entrariam em colapso se as pessoas se tornassem iluminadas e deixassem de tentar encontrar as suas identidades através dos objetos. Quanto mais usarmos esse caminho para encontrar a felicidade, mais estaremos nos iludindo. Nada lá fora vai conseguir nos trazer satisfação, exceto por um tempo e de modo superficial. Mas talvez você precise passar por muitas decepções antes de perceber a verdade. Os objetos e as circunstâncias podem lhe dar prazer, mas também vão lhe trazer sofrimento. Eles podem lhe dar prazer, mas não trazer alegria. A alegria não tem uma causa e brota dentro de nós como a alegria do Ser. É uma parte essencial do estado de paz interior, conhecido como a paz de Deus. É o nosso estado natural, não algo por que tenhamos de lutar para conseguir.

As pessoas, em geral, não percebem que a “salvação” não está em nada do que façam, possuam ou consigam. Aquelas que percebem ficam, muitas vezes, enfastiadas do mundo e deprimidas. Se nada pode lhes dar um verdadeiro prazer, será que resta alguma coisa por que se empenhar? Com que objetivo? O profeta do Velho Testamento deve ter chegado a essa conclusão quando escreveu: “Tenho visto tudo o que se faz debaixo do sol e eis que tudo é vaidade e uma luta contra o vento”. Quando você chega a esse ponto, está a um passo do desespero e um passo mais longe da iluminação.

Uma vez um monge budista me disse: “Tudo o que aprendi nos vinte anos em que sou monge pode ser resumido em uma frase: Tudo o que surge, desaparece. Isso eu sei”. O que ele quis dizer foi o seguinte: aprendi a não oferecer qualquer resistência ao que é; aprendi a permitir que o momento presente aconteça e a aceitar a natureza impermanente de todas as coisas e circunstâncias. Foi assim que encontrei a paz.

Não oferecer resistência à vida é estar em estado de graça, de descanso e de luz. Nesse estado, nada depende de as coisas serem boas ou ruins. É quase paradoxal, mas, como já não existe mais uma dependência interior quanto à forma, as circunstâncias gerais da sua vida, as formas externas, tendem a melhorar consideravelmente. As coisas, as pessoas ou as circunstâncias que você desejava para a sua felicidade vêm agora até você sem qualquer esforço, e você está livre para apreciá-las enquanto durarem. Todas essas coisas naturalmente vão acabar, os ciclos virão e irão, mas com o desaparecimento da dependência não há mais medo de perdas. A vida flui com facilidade.

A felicidade que provém de alguma coisa secundária nunca é muito profunda. É apenas um pálido reflexo da alegria do Ser, da paz vibrante que encontramos dentro de nós ao entrarmos no estado de não-resistência. O Ser nos transporta para além das polaridades opostas da mente e nos liberta da dependência da forma. Mesmo que tudo em volta desabe e fique em pedaços, você ainda sentirá uma profunda paz interior. Você pode não estar feliz, mas vai estar em paz.