sábado, 16 de fevereiro de 2013

Utilizando e abandonando a negatividade



Toda resistência interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência. Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A negatividade vai de uma irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a resistência faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar.

O ego acredita que, através da negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que deseja. Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma indesejável. O livro A Course in Miracles (Um curso em milagres) destaca corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos infelizes, acreditamos inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o que queremos. Se “você” – a mente – não acreditou que a infelicidade funciona, por que a criaria? O fato é que essa negatividade não funciona. Em vez de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única utilidade é que ela fortalece o ego, e essa é a razão pela qual ele a adora.

Uma vez que você tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma mudança positiva. Ela iria ameaçar a sua identidade como uma pessoa depressiva, zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou sabotar aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é completamente antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo entre o envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que vem sendo acumulada na psique coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no planeta conhece a negatividade, somente os seres humanos, assim como nenhuma outra forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma flor infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de auto-estima, um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro com ódio e ressentimento? Os únicos animais que eventualmente vivenciam alguma coisa semelhante à negatividade, ou mostram sinais de comportamento neurótico, são os que vivem em contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à mente humana e à insanidade deles.

Observe as plantas e animais, aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade – estar em unidade, ser você mesmo, ser verdadeiro. Aprenda como viver e como morrer, e como não fazer do viver e do morrer um problema.

Vivi com alguns mestres zen – todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram importantes lições espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam em paz, de bem com eles mesmos, totalmente presentes no Agora, dignos e perfeitos, tanto quanto uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no entanto, dois patos vão se envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma razão aparente ou porque um pato penetrou no espaço particular do outro. A briga geralmente dura só alguns segundos e então os patos se separam, nadam em direções opostas e batem suas asas com força, por algumas vezes. Então continuam a nadar em paz, como se a briga nunca tivesse acontecido. Quando observei isso pela primeira vez, percebi, num relance, que ao bater as asas eles estavam soltando a energia acumulada, evitando assim que ela ficasse aprisionada no corpo e se transformado em negatividade. Isso é sabedoria natural. É fácil para eles porque não têm uma mente para manter vivo o passado, sem necessidade, e então construir uma identidade em volta dele.


Uma emoção negativa não poderia também conter uma mensagem importante? Por exemplo, se me sinto deprimido com freqüência, será que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e isso pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?

Poderia. As emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu trabalho, seus relacionamentos ou seu ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. E até onde isso interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um certo grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe dizer o que é necessário na sua situação de vida. Mas, enquanto a negatividade estiver lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar mais presente.

Como impedimos que a negatividade surja e como nos livramos dela, já que está lá?

Como já afirmei, você não deixa que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime. Ainda são poucas as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo de presença, embora algumas já estejam chegando bem perto. Acredito que logo serão muitas.

Sempre que perceber alguma forma de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para ela como um fracasso, mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde. Largue a sua mente. Esteja presente”.

Existe um romance de Aldous Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida, quando ele ficou muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a história de um homem que naufragou perto de uma ilha isolada do resto do mundo. Essa ilha era habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre ela é que seus habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A primeira coisa que o náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados nas árvores, que davam a impressão de estar repetindo as palavras “Atenção. Aqui e agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes da ilha ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados para ficar presentes.

Portanto, sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo, um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz dizendo “Atenção. Aqui e Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve irritação é significativa e precisa ser conhecida e observada. Do contrário, haverá um aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei anteriormente, você pode descartá-la assim que perceber que não quer ter esse campo de energia no seu interior e que ele não tem nenhum objetivo. Mas certifique-se de que você se livrou completamente dela. Se não conseguir, simplesmente aceite que ela está ali e concentre a sua atenção no sentimento.

Uma alternativa para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo se tornando transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você pratique primeiro com as coisas do dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em casa. De repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente de carro. Surge uma irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por que você a criou? Você não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação totalmente automática, totalmente inconsciente. Por que a mente a criou? Porque ela sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve como alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição indesejada. Isso naturalmente é uma ilusão. A resistência que ela cria, nesse caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa original que ela está tentando desfazer.

Tudo isso pode ser transformado em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a solidez de um corpo material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver causando a emoção negativa, passe através de você. Ele não está mais golpeando uma “parede” sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as coisas simples. O alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em vez de ter uma parede de resistência dentro de você, que é atingida de modo constante e doloroso pelas coisas que “não deveriam estar acontecendo”, deixe que tudo passe através de você.

Alguém diz alguma coisa grosseira para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente e uma negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você deixa isso passar através de você. Não ofereça resistência. É como se não existisse mais ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse sentido, você se torna invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é inaceitável, se você escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o poder de controlar o seu estado interior. Você passa a estar em seu poder – não mais em poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de carro, uma pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos os seus bens, o mecanismo de resistência é o mesmo.

Pratico a meditação,.freqüento seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de um estado de não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a verdadeira paz interior, minha resposta teria que ser “não”. Por que não a encontrei? O que mais posso fazer?

Você ainda está procurando lá fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo seminário lhe traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não busque a paz. Não busque nenhum outro estado além daquele em que você está agora, do contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência inconsciente. Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a sua intranqüilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite completamente vai lhe levar até lá, vai levar você até a paz. Esse é o milagre da entrega.


Você já deve ter ouvido a frase “dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou há dois mil anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da não-resistência e da não-reação. Nessas palavras, como em todas as que proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com a conduta externa da nossa vida.

Você conhece a história de Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou muitos anos perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto andava pelo mercado, ouviu uma conversa entre um açougueiro e seu freguês. “Me dê o melhor pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o açougueiro respondeu: “Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de carne aqui que não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou iluminado.

Posso ver você esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de carne – todo momento – é o melhor. Isso é iluminação.

Nenhum comentário: