sexta-feira, 10 de maio de 2013
sábado, 16 de fevereiro de 2013
O poder de escolher
Por que tantas pessoas escolhem o sofrimento? Tenho
uma amiga cujo companheiro abusa fisicamente dela e que já viveu o mesmo
problema em uma relação anterior. Por que ela escolhe esse tipo de homem e por
que se recusa a sair dessa situação?
Sei que a palavra
escolher é um termo muito usado na Nova Era, mas não é apropriado ao
presente contexto. É uma ilusão dizer que alguém “escolhe” um relacionamento
problemático ou alguma outra situação negativa na vida. Uma escolha sugere uma
consciência, um alto grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A escolha
começa no instante em que nos desidentificamos da mente e de seus padrões
condicionados, o instante em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse
ponto, você está inconsciente, espiritualmente falando. Significa que você foi
obrigado a pensar, sentir e agir de determinadas maneiras, de acordo com o
condicionamento da sua mente. É por isso que Jesus disse: “Perdoai-os, porque
eles não sabem o que fazem”. Isso não está relacionado à inteligência no
sentido convencional da palavra. Já encontrei inúmeras pessoas altamente
inteligentes e educadas que eram também completamente inconscientes, o que
significa dizer, completamente identificadas com suas mentes. Na verdade, se o
desenvolvimento mental e o aumento do conhecimento não são contrabalançados por
um crescimento correspondente na consciência, o potencial para a infelicidade e
o desastre é muito grande.
Sua amiga está
paralisada em um relacionamento com um parceiro abusivo e não é a primeira vez.
Por quê? Porque não escolheu. A mente, condicionada como é pelo passado, sempre
busca recriar o que conhece e com o que está familiarizada. Mesmo que seja
doloroso, ao menos é familiar. A mente sempre se apega ao que lhe é familiar. O
desconhecido é perigoso porque ela não tem controle sobre ele. É por isso que a
mente não gosta do momento presente e prefere ignorá-lo. A percepção do momento
presente cria um espaço, não somente no fluxo da mente, mas também no contínuo
do passado e futuro. Nada realmente novo e criativo pode acontecer nesse mundo
a não ser através desse espaço, um espaço nítido com infinitas possibilidades.
Portanto, sua
amiga pode estar recriando um padrão aprendido no passado no qual a intimidade
e o abuso eram inseparavelmente relacionados. Por outro lado, ela pode estar
representando um padrão mental aprendido na infância, segundo o qual ela é
alguém desprezível e merece ser punida. É também possível que ela viva grande
parte da vida através do sofrimento, que está sempre em busca de mais
sofrimento para se alimentar. O parceiro também tem seus próprios padrões
inconscientes, que completam os dela. Quem criou essa situação? A sua própria
amiga, ou melhor, o falso eu interior dela, um padrão mental e emocional do
passado, nada mais do que isso. Se você lhe disser que ela escolheu essa
situação, estará reforçando o estado de identificação dela com a mente. Mas o
padrão mental é ela? Sua verdadeira identidade é derivada do passado? Mostre à
sua amiga como ser a presença observadora por trás dos pensamentos e das
emoções. Conte-lhe sobre o sofrimento e como se libertar dele. Ensine-a a arte
da percepção do corpo interior. Demonstre o sentido da presença. Assim que ela
for capaz de acessar o poder do Agora e, em conseqüência, romper com o passado
condicionado, ela vai ter uma escolha.
Ninguém escolhe o problema, a briga, o sofrimento.
Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque não existe
presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar
a escuridão. Você não está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio
tempo, a mente condicionada está governando a sua vida.
Do mesmo modo, se você é uma das inúmeras pessoas que têm
assuntos mal resolvidos com os pais, se ainda guarda ressentimentos por alguma
coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então você ainda acredita que eles
tiveram uma escolha e que poderiam ter agido diferente. Sempre parece que
as pessoas fizeram uma escolha, mas isso é ilusão. Enquanto a sua mente, com os
seus padrões de condicionamento, dirigir a sua vida, enquanto você for a
sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma. Você não está nem ligando. O estado
identificado com a mente é altamente defeituoso. É uma forma de insanidade.
Quase todas as pessoas estão sofrendo dessa doença em vários graus. No momento
em que você perceber isso, não haverá mais ressentimento. Como você pode se
ressentir com a doença de alguém? A única resposta adequada é compaixão.
Quer dizer que ninguém é responsável pelos atos que pratica?
Não gosto dessa idéia.
Se você é
governado pela mente, embora não tenha escolha, vai sofrer as conseqüências da
sua inconsciência e criar mais sofrimento. Você vai carregar o fardo do medo,
das disputas, dos problemas e do sofrimento. Até que o sofrimento force você,
no final, a sair do seu estado de inconsciência.
O que você diz a respeito da escolha também se aplica
ao perdão, suponho. Precisamos estar inteiramente conscientes e
entregues antes de poder
perdoar.
“Perdão” é uma
palavra que vem sendo usada há mais de dois mil anos, mas a maioria das pessoas
tem uma visão muito limitada do que ela significa. Não podemos perdoar a nós
mesmos ou aos outros enquanto extrairmos do passado o nosso sentido do eu
interior. Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio poder, pode
haver um verdadeiro perdão. Isso tira a força do passado e você percebe,
profundamente, que nada que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia
atingir, nem de leve, a radiante essência de quem você é. Todo o conceito de
perdão se torna então desnecessário.
E como chego a
esse ponto de consciência?
Quando nos
rendemos àquilo que é e assim ficamos inteiramente presentes, o passado
deixa de ter qualquer força. Não precisamos mais dele. A presença é a chave. O
Agora é a chave.
Quando vou
saber que me entreguei?
Quando você não
precisar mais fazer essa pergunta.
O caminho da cruz
Existem muitos relatos de pessoas que dizem ter
encontrado Deus através de um sofrimento profundo, e há também a expressão
cristã “o caminho da cruz”, que acredito apontar para a mesma coisa.
Esse é o nosso
principal interesse aqui. Na verdade, essas pessoas não encontraram Deus
através do sofrimento, porque sofrimento supõe resistência. Elas encontraram
Deus através da entrega, da completa aceitação daquilo que é, aonde chegaram
por força do sofrimento intenso por que passaram. Elas devem ter percebido, em
algum momento, que eram elas que geravam o sofrimento.
Como você compara a entrega com o encontro com Deus?
Como a
resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o
fim da atuação dominadora da mente, do impostor fingindo ser “você”, o falso
deus. Todo o julgamento e toda a negatividade se dissolvem. A região do Ser,
que tinha sido encoberta pela mente, se abre. De repente, surge uma grande
serenidade dentro de você, uma imensa sensação de paz. E dentro dessa paz
existe uma grande alegria. E dentro dessa alegria existe amor. E lá no fundo
está o sagrado, o incomensurável, o que não pode ser nomeado.
Não chamo isso de
encontrar Deus, porque como se pode encontrar o que nunca foi perdido, a
própria vida que é você? A palavra Deus é limitadora, não somente por causa de
milhares de anos de má interpretação e uso equivocado, mas também porque
pressupõe uma outra identidade que não é você. Deus é o próprio Ser, não um
ser. Não pode haver nenhuma relação aqui de sujeito-objeto, nenhuma dualidade,
nenhum você e Deus. A percepção de Deus é a coisa mais natural que
existe. O fato estranho e incompreensível não é que possamos nos tornar
conscientes de Deus, mas sim que não somos conscientes de Deus.
O caminho da cruz
a que você se referiu é o velho caminho para a iluminação, e até recentemente
era o único caminho. Mas não o rejeite nem subestime sua eficácia. Ele ainda
funciona.
O caminho da cruz
é uma inversão completa. Significa que a pior coisa na sua vida, a sua cruz, se
transforma na melhor coisa que já aconteceu, ao forçar você para a entrega,
para a “morte”, ao forçar você a se tornar nada, a se tornar como Deus, porque
Deus também é coisa nenhuma.
Nesse momento,
para a maioria inconsciente dos seres humanos, o caminho da cruz ainda é o
único caminho. Eles só vão acordar através de mais sofrimento e a iluminação,
como um fenômeno coletivo, será precedida por grandes revoluções. Esse processo
reflete o funcionamento de certas leis universais que governam o crescimento da
consciência e já previsto por alguns videntes. Ele é descrito, dentre outros
lugares, no Livro das Revelações ou Apocalipse, embora disfarçado em uma
simbologia obscura e algumas vezes incompreensível. Esse sofrimento não é
imposto por Deus, mas pelos próprios humanos, assim como por certas medidas
defensivas que a Terra, que é um organismo vivo e inteligente, vai adotar para
se proteger do ataque furioso da loucura humana.
Entretanto,
existe um número crescente de seres humanos cuja conscientização está
suficientemente desenvolvida para não precisar de nenhum sofrimento adicional
antes de alcançar a iluminação. Talvez você seja um deles.
A iluminação
através do sofrimento, o caminho da cruz, significa ser levado para o reino dos
céus, esperneando e gritando. Você finalmente se entrega porque já não suporta
mais sofrer. A iluminação escolhida conscientemente significa abandonar nossos
apegos ao passado e ao futuro e fazer do Agora o ponto principal da nossa vida.
Significa escolher permanecer no estado de presença e não no tempo. Significa
dizer sim àquilo que é. Você já não precisa mais sofrer. De quanto tempo você
precisa para ser capaz de dizer “Não vou mais criar dores, nem sofrimentos”?
Quanto você ainda tem que sofrer antes de fazer essa escolha?
Se você pensa que
precisa de mais tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o
sofrimento são inseparáveis.
Transformando o sofrimento em paz
Li a respeito de um filósofo estóico na Grécia antiga
que, ao saber da morte do filho em um acidente, respondeu: “Eu sabia que ele
não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a desejo para mim. Existem
algumas situações em que a entrega parece uma coisa forçada e desumana.
Suprimir nossos
sentimentos não é entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do
filósofo, quando disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser
impossível aceitar o Agora, mas sempre temos uma segunda chance na entrega.
Nossa primeira
chance é nos entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que
aquilo que é não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim
àquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos o que tem de ser
feito, o que quer que a situação exija. Se nos submetemos a esse estado de
aceitação, deixamos de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos
a viver em um estado de não-resistência, um estado de graça e de luz, livre das
disputas.
Sempre que você
for incapaz de realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque
não está gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do
padrão de resistência habitual, seja porque as circunstâncias são tão extremas
que são completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma de dor,
alguma forma de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o
sofrimento, mas não é bem assim: a responsável é a sua resistência.
Aqui está a sua
segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora,
aceite então o que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao
sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao
medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o
sofrimento. Veja, então, como o milagre da entrega transforma o sofrimento
profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação. Permita que ela seja a
sua ressurreição e ascensão ao céu.
Não consigo
entender como alguém pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o
sofrimento é a não-entrega. Como poderia me entregar à não-entrega?
Esqueça a entrega
por um instante. Quando a sua dor é profunda, tudo o que se disser a respeito
de entrega vai, provavelmente, lhe parecer superficial e sem sentido. Quando o
seu sofrimento é profundo, você provavelmente tem um grande anseio de escapar e
de não se entregar a ele. Você não quer sentir o que está sentindo. O que pode
ser mais normal? Mas não tem escapatória, nenhuma saída. Existem algumas
pseudo-saídas como o trabalho, a bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as
abstenções, etc., mas elas não libertam você do sofrimento. O sofrimento não
diminui de intensidade quando você o torna inconsciente. Quando você nega o
sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele.
Você o irradia, por assim dizer, como a energia que se desprende de você, e
outros vão captá-lo subliminarmente. Se essas pessoas estiverem inconscientes,
podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você
pode machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e
transmite aquilo que corresponde ao seu estado interior.
Quando não existe
caminho para fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja
do sofrimento. Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense
a respeito dele! Fale dele, se necessário, mas não crie uma história na sua
mente a respeito dele. Dê toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao
acontecimento que pode tê-lo provocado. Não permita que a mente use o
sofrimento para criar uma identidade de vítima para você em função dele. Sentir
pena de si mesmo e contar a sua história aos outros vai fazer com que você
fique paralisado no sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento,
a única possibilidade de mudança é se mover em direção a ele, do contrário,
nada vai mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que você sente e evite
dar um nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique
intensamente alerta. No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e
quando vier o impulso para se afastar, observe-o, mas não se deixe guiar por
ele. Permaneça colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o
pesar, o medo, o pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com
todo o seu Ser, com cada célula do seu corpo. Ao fazer isso, você está trazendo
uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.
Nesse ponto, você
não precisa mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção
completa é a aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa,
você está usando o poder do Agora, que é o poder da sua presença. Nenhum
indício de resistência consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo. Sem
o tempo, nenhum sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.
A aceitação do
sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo,
permitindo que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte
conscientemente. Quando tiver morrido essa morte, você perceberá que não existe
morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio de sol
que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar
pela sobrevivência e, assim, cria e se apega a uma outra identidade diferente
do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente libertadora?
Você quer ter uma
morte fácil? Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para
o passado a cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e
limitado “eu” que você pensou que era “você”.
Quando a infelicidade ataca
No que diz
respeito à maioria da população ainda inconsciente, somente uma situação
crítica tem o potencial de quebrar a dura casca do ego e forçar as pessoas a
uma entrega e, desse modo, a um estado iluminado. Uma situação-limite surge
quando uma infelicidade, uma mudança drástica, uma perda ou sofrimento profundo
despedaça todo o mundo da pessoa, tornando-o sem sentido. É um encontro com a
morte, seja ela física ou psicológica. A mente, a criadora desse mundo, entra
em colapso. Das cinzas desse velho mundo, um novo mundo pode, então, passar a
existir.
Não existe
nenhuma garantia de que uma situação-limite vai fazer isso acontecer, mas o
potencial está sempre ali. A resistência de algumas pessoas àquilo que é pode
até aumentar em uma situação como essa, tornando a vida um inferno. Outras
pessoas podem se entregar parcialmente, mas mesmo isso vai lhes dar uma
profundidade e uma serenidade que elas não tinham antes. A casca do ego se
quebra em alguns pontos e isso permite que pequenas porções de esplendor e de
paz brilhem.
As
situações-limite têm produzido muitos milagres. Muitos assassinos que estavam
no corredor da morte à espera da execução experimentaram, em suas últimas horas
de vida, uma existência dissociada do ego e a profunda paz e alegria que a
acompanham. A resistência interior à situação em que se encontravam se tornou
tão intensa que produziu um sofrimento insuportável, e não havia nenhum lugar
para onde correr e nada a fazer para escapar dela, nem mesmo um projeto da
mente para o futuro. Assim, eles foram forçados a uma completa aceitação do
inaceitável. Foram forçados à entrega. Nesse sentido, foram capazes de penetrar
no estado de graça que traz a redenção: uma libertação completa do passado. Não
é a situação-limite que dá espaço ao milagre da graça e da redenção, mas sim o
ato de entrega.
Portanto, sempre
que acontecer uma desgraça ou alguma coisa de ruim em sua vida – uma doença, a
perda da casa, do patrimônio ou de uma posição social, o rompimento de um
relacionamento amoroso, a morte ou o sofrimento por alguém, ou a proximidade da sua própria morte –, saiba
que existe um outro lado e que
você está a apenas um passo de distância de algo inacreditável: uma completa
transformação alquímica da base de metal da dor e do sofrimento em ouro. Esse
passo simples é chamado de entrega.
Não estou
querendo dizer que você vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o
medo e o sofrimento vão se transformar em uma paz interior e uma serenidade que
vêm de um lugar muito profundo, do próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de
Deus, que ultrapassa todo o entendimento”. Comparada a isso, a felicidade é
quase uma coisa superficial. Com essa paz radiante, vem a percepção – não no
nível da mente, mas dentro das profundezas do seu Ser – de que você é
indestrutível, imortal. Isso não é uma crença. É uma certeza absoluta, que não
precisa de uma manifestação exterior nem de qualquer prova.
Transformando a doença em iluminação
Se alguém está seriamente doente e aceita a doença,
será que não estaria abrindo mão de sua vontade de recuperar a saúde? Ainda
teria determinação para combater a doença?
A entrega é a
aceitação interior daquilo que é, sem nenhuma condição. Estamos falando
sobre a sua vida, este momento, e não sobre as condições ou
circunstâncias da sua vida, não daquilo que eu chamo situação de vida. Já
tratamos desse assunto.
As doenças fazem
parte da nossa situação de vida. Assim, possuem um passado e um futuro. O
passado e o futuro formam um contínuo sem interrupção, a menos que o poder
redentor do Agora seja ativado através da nossa presença consciente. Como você
sabe, por baixo das várias condições que constituem a nossa situação de vida,
que existe no tempo, há uma coisa mais profunda, mais essencial: a sua Vida, o
seu próprio Ser dentro do eterno Agora.
Como não existem
problemas no Agora, as doenças também não existem. Acreditar em um rótulo que
alguém confere às nossas condições fortalece-as e constrói uma realidade
aparentemente sólida em torno de um desequilíbrio temporário. Isso não só
confere realidade e solidez, mas também uma continuidade no tempo que não havia
antes. Ao se concentrar neste instante e evitar rotular a doença mentalmente,
ela se reduz a um dos seguintes fatores: sofrimento físico, fraqueza,
desconforto ou invalidez. É a isso
que você se entrega, agora. Você não se entrega à idéia da “doença”. Deixe o sofrimento
trazer você para o momento presente, para um estado de presença intensa
consciente. Use-o para a iluminação.
A entrega não
transforma aquilo que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você.
Quando você estiver transformado, todo o seu mundo fica transformado,
porque o mundo é somente um reflexo. Se você se olha no espelho e não gosta do
que vê, tem que ter enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É exatamente
assim que você age quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente,
se você agride a imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não
importa qual ela seja, se tem uma postura amigável em relação a ela, a imagem
não consegue não se tornar amigável em relação a você. É dessa forma que
você consegue mudar o mundo.
A doença não é o
problema. Você é o problema, enquanto a mente estiver no controle.
Quando você estiver doente ou incapacitado, não sinta que fracassou de alguma
forma, não sinta culpa de nada. Não culpe a vida por tratar você tão mal, mas
também não se culpe de nada. Tudo isso é resistência. Se você tem uma doença
grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer
na sua vida para alcançar a iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela
nenhum passado ou futuro. Deixe-a forçar você para a percepção intensa do
momento presente. E veja o que acontece.
Torne-se um
alquimista. Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a
infelicidade em iluminação.
Você está
gravemente doente e sentindo raiva do que acabei de dizer? Então esse é um
sinal claro de que a doença se tornou parte do seu sentido de eu interior e
que, neste momento, você está protegendo a sua identidade e também protegendo a
doença. A circunstância que foi rotulada de “doença” não tem nada a ver com
quem você realmente é.
A entrega nos relacionamentos pessoais
E quanto às pessoas que querem me usar, manipular ou
controlar? Tenho de me entregar a elas?
Elas estão
isoladas do Ser e tentam inconscientemente sugar sua força e energia. Somente
alguém inconsciente vai tentar usar ou manipular os outros, mas também é
verdade que apenas as pessoas inconscientes podem ser usadas e
manipuladas. Se você reage ou se opõe ao comportamento inconsciente dos outros,
também fica inconsciente. Porém, a entrega não significa uma permissão para que
pessoas inconscientes usem você. De jeito nenhum. É possível dizer “não” de
modo firme e claro para alguém e, ao mesmo tempo, permanecer em um estado de
não resistência interior. Ao dizer “não” a uma pessoa ou situação, você não
deve reagir, mas sim agir de acordo com um insight, uma firme convicção
do que é certo ou errado para você naquele momento. Permita que isso seja um
“não” sem reação, um “não” de alta qualidade, um “não” livre de toda a
negatividade e, desse modo, não gere mais sofrimento.
Estou passando por uma situação desagradável no
trabalho. Tentei me entregar a ela, mas achei impossível. Uma grande dose de resistência continua a aparecer.
Se você não
consegue se entregar, aja imediatamente. Fale ou faça alguma coisa para
provocar uma mudança na situação, ou se afaste dela. Seja responsável pela sua
vida. Não polua o seu lindo e radiante Ser interior com negatividade. Não
transmita infelicidade, nem deixe que ela crie um lugar dentro de você.
A não-resistência também deve regular nossa conduta
externa, como por exemplo uma não-resistência à violência, ou é algo que só
interessa à nossa vida interior?
Você só precisa
se preocupar com o aspecto interno. Isso é fundamental. É claro que ele vai
acabar modificando suas atitudes externas, seus relacionamentos, etc.
Seus
relacionamentos vão mudar profundamente através da entrega. Se você nunca
consegue aceitar o que é, conseqüentemente não é capaz de aceitar
qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre julgando, criticando,
rotulando, rejeitando ou tentando mudar as pessoas. Além disso, se continuar a
transformar o Agora em um meio para atingir um fim no futuro, também vai
considerar as pessoas com quem se relaciona como um meio para atingir um
objetivo. O relacionamento, o ser humano, passa a ter uma importância
secundária para você, ou mesmo nenhuma importância. O que vale é o que você
consegue extrair do relacionamento: um ganho material, uma sensação de poder,
um prazer físico, ou alguma forma de gratificação do ego.
Deixe-me ilustrar
como a entrega pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma
discussão ou um conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca
na defensiva quando a sua própria posição é atacada, sinta a potência da sua
própria agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego aos seus
pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua
necessidade de ter razão e de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa
é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecê-la, ao senti-la o
mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você
descobre que pode fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só
para ver o que acontece. Você se entrega. Não quero dizer abrir mão da sua
reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que
diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a
resistência para um outro nível, com a mente ainda no comando, considerando-se
superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia mental e emocional
que estava disputando o poder dentro de você.
O ego é esperto,
portanto, você tem de estar alerta, presente e ser 100 por cento honesto
consigo mesmo para verificar se abandonou realmente sua identificação com uma
posição mental e se libertou, assim, da sua mente. Se você se sentir leve,
livre e profundamente em paz, é sinal de que você se entregou completamente.
Observe então o que acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não
mais a energiza ao oferecer resistência. Quando abrimos mão da identificação
com as nossas posições mentais, começa a verdadeira comunicação.
E quanto à não-resistência diante da violência?
Não-resistência não significa necessariamente não fazer
nada. Significa que qualquer “fazer” se toma não-reação. Lembre-se da profunda
sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais: não ofereça
resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.
Tendo
estabelecido isso, “não fazer nada” quando estamos em um estado de intensa
presença é um poderoso transformador e curador de situações e de pessoas. No
taoísmo, existe a expressão wu wei, que é comumente traduzida por
“atividade sem ação” ou “sentar-se silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga
China, isso era considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes.
É radicalmente diferente da inatividade, no estado comum da consciência, ou
melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na indolência ou na
indecisão. O verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um
intenso estado de alerta.
Por outro lado,
caso haja necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente
condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente.
Nesse estado, a mente é livre de conceitos, incluindo o conceito da
não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?
O ego acredita
que a nossa força reside em nossa resistência, quando, na verdade, a
resistência nos separa do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência
é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o
Ser em sua pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza.
Assim, o ego existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos
para encobrir a “fraqueza”, que, na verdade, é o nosso poder.
Até que haja a
entrega, a representação inconsciente de determinados papéis se constitui em
grande parte da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas
do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais. “Isso
é perigoso”, diz o ego. “Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável”. O ego não
sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos
vulneráveis, é que podemos descobrir a nossa verdadeira e fundamental
invulnerabilidade.
Da energia da mente para a energia espiritual
Livrar-se da resistência não é uma tarefa fácil.
Continuo sem saber como fazer
isso.
Comece por
admitir que é resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer.
Observe de que modo a sua mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo,
ou aos outros. Observe o processo de pensamento envolvido. Sinta a energia da
emoção. Ao testemunhar a resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum
propósito. Ao focalizar toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente
passa a ser consciente, e isso é o fim dela. Você não pode estar infeliz e
consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de sofrimento,
significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente.
Eu tenho certeza de que posso estar consciente da
minha infelicidade.
Você escolheria a
infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem
a está mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a
verdade é que você está identificado com ela e mantém vivo esse processo de
identificação, através de um pensamento compulsivo. Tudo isso é inconsciência. Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente
presente no Agora, toda a negatividade iria se dissolver quase
instantaneamente. Ela não conseguiria sobreviver na sua presença. Só consegue
sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o sofrimento consegue sobreviver muito
tempo diante da presença. Você mantém a infelicidade viva quando dá tempo a
ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo, concentrando uma percepção intensa
no momento presente, e ela morre. Mas você quer mesmo que ela morra? Você já
teve mesmo o bastante dela? Quem você seria sem ela?
Até que você pratique a entrega, a dimensão espiritual é
algo a respeito do que você já leu, ouviu falar, escreveu, pensou, acreditou ou
não. Não faz diferença. Não até que a entrega tenha se tornado uma realidade em
sua vida. No momento da entrega, a energia que você desprende e que passa a
governar sua vida é de uma freqüência vibracional muito maior do que a energia
da mente, que ainda governa as estruturas sociais, políticas e econômicas da
nossa civilização e que se perpetua através da propaganda e dos sistemas
educacionais. Através da entrega, a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela
não gera sofrimento para você, para outros seres humanos ou para qualquer outra
forma de vida no planeta. Ao contrário da energia da mente, ela não polui a
terra e não está sujeita à lei das polaridades, que diz que nada pode existir
sem o seu oposto e que não pode haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam
dominados pela mente – a grande maioria da população – não percebem a existência
da energia espiritual. Ela pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo
diferente quando um número suficiente de seres humanos entrar no estado de
entrega e se tornar totalmente livre da negatividade. Se a Terra sobreviver,
essa será a energia daqueles que a habitarem.
Jesus se referiu a essa energia quando proferiu seu
famoso e profético Sermão da Montanha:
“Bem-aventurados os mansos porque herdarão a Terra”. É uma presença silenciosa
mas intensa, que dissolve os padrões inconscientes da mente. Eles podem até
permanecer ativos por um tempo, mas não vão mais governar a sua vida. As
condições externas, que apresentavam uma resistência, também tendem a mudar ou
a se dissolver através da entrega. Essa energia é um poderoso agente
transformador de situações e de pessoas. Caso as condições não mudem
imediatamente, a sua aceitação do Agora permite que você se coloque acima
delas. De qualquer forma, você está livre.
O SIGNIFICADO DA ENTREGA - A aceitação do Agora
O SIGNIFICADO DA ENTREGA
A aceitação do Agora
Você mencionou a palavra “entrega” algumas vezes. Essa
idéia não me agrada. Soa um pouco fatalista. Se aceitarmos sempre as coisas
como elas são, não vamos fazer nenhum esforço para melhorá-las. Para mim, o
significado de progresso, tanto em nossa vida pessoal quanto em coletividade, é
não aceitarmos as limitações do presente e nos empenharmos para ir além, para
superá-las e criar coisas melhores. Se não tivéssemos agido assim, ainda
estaríamos vivendo em cavernas. Como conciliar essa entrega com a mudança e a realização das coisas?
Para muitas
pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma
desistência, uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa
letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo completamente
diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que nos
aconteça e não fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter
confiança para começar algo novo.
A entrega é a
sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos
ao fluxo da vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no
Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o momento presente sem
restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que
é. A resistência interior acontece quando dizemos “não” para aquilo que é,
através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se
agrava especialmente quando as coisas “vão mal”, o que significa que há um
espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é.
Esse é o espaço do sofrimento. Se você já tiver vivido bastante tempo,
certamente saberá que as coisas “vão mal” com muita freqüência. É precisamente
nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada, caso queiramos eliminar
o sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação daquilo que é nos liberta
imediatamente da identificação com a mente e nos religa com o Ser. A
resistência é a mente.
A entrega é um
fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma
coisa no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação
completa que temos de aceitar quando falo de entrega, mas apenas o segmento
minúsculo chamado o Agora.
Por exemplo, se
você estiver atolado na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar
atolado nessa lama”. Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa
aceitar uma situação indesejável ou desagradável na sua vida. Nem precisa se
iludir e dizer que não tem nada errado em estar atolado na lama. Nada disso.
Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção
ao momento presente, sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso
significa que não existe nenhum julgamento do Agora. Em conseqüência, não
existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a
“existência” do momento. A seguir, toma uma atitude e faz tudo o que puder para
sair da lama. Chamo essa atitude de ação positiva. Funciona muito mais do que
uma ação negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração. Até que
alcance o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster
de rotular o Agora.
Vou fazer uma
analogia visual para ilustrar o ponto que estou sustentando. Você está andando
por uma estrada à noite, com uma neblina cerrada, mas possui uma lanterna
potente que corta a neblina e cria um espaço estreito e nítido na sua frente. A
neblina é a sua situação de vida, que inclui o passado e o futuro. A lanterna é
a sua presença consciente, e o espaço nítido é o Agora.
Não se entregar
endurece a forma psicológica, a casca do ego, e assim cria uma forte sensação
de separação. O mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como
ameaças. Surge uma compulsão inconsciente para destruir os outros através do
julgamento e uma necessidade de competir e dominar. Até mesmo a natureza vira
sua inimiga e o medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das
coisas. A doença mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente
mais aguda desse estado normal, embora disfuncional, da consciência.
A resistência faz
com que tanto a sua mente quanto o seu corpo fiquem mais “pesados”. A tensão se
manifesta em diferentes partes do corpo, que se contrai para se defender. O
fluxo de energia vital, essencial para o funcionamento saudável do corpo, fica
prejudicado. Algumas formas de terapia corporal podem ser úteis para restaurar
esse fluxo, mas a menos que você pratique a entrega na sua vida diária, essas
coisas só podem lhe proporcionar um alívio temporário, porque a causa, o padrão
de resistência, não foi ainda dissolvida.
Porém, existe
alguma coisa dentro de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias
que constroem a sua situação de vida e a que você só tem acesso através da
entrega. Trata-se da sua vida, do seu próprio Ser, que existe no eterno domínio
do presente. Encontrar essa vida é “a única coisa necessária” de que Jesus
falava.
Se a sua situação
de vida é insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você
vai conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a
permanência dessa situação.
A entrega é
perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir
objetivos. Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui
naquilo que fazemos. A entrega nos religa com a fonte de energia do Ser, e, se
as nossas ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre
celebração da energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora.
Através da não-resistência, a qualidade da nossa consciência, e, portanto, a
qualidade do que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem medidas. Os
resultados vão falar por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar
isso de “ação de entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por
milhares de anos. À medida que mais seres humanos despertarem, a palavra trabalho
vai desaparecer do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra
para substituí-la.
A qualidade da
sua consciência neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você
vai viver. Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer
para provocar uma mudança positiva. Qualquer outra coisa que você fizer será
secundária. Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de consciência onde
não existe entrega.
Consigo entender que, se estou em uma situação
desagradável ou insatisfatória e aceito o momento como ele se apresenta, não
haverá nenhum sofrimento ou infelicidade. Terei passado por cima deles. Mas
ainda não entendo de onde poderia se originar a energia para provocar uma
mudança, sem que existisse uma certa dose de insatisfação.
No estado de
entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação,
fazendo uma coisa de cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez.
Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se realizam e como o milagre
da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus
disse: “Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam”.
Se a sua situação
geral é insatisfatória ou desagradável, separe esse instante e
entregue-se ao que é. Eis aqui a lanterna cortando através da neblina. O seu
estado de consciência deixa então de ser controlado pelas condições externas.
Você não age mais a partir de uma resistência ou de uma reação.
Olhe para uma
situação específica e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para
mudar essa situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a
atitude adequada. Não se prenda às mil coisas que você vai ter que fazer em
algum tempo futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora.
Isso não
significa que você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa
que você possa fazer agora. Mas certifique-se de que você não vai começar a
rodar “filmes mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o Agora. Talvez
a atitude que você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não
resista ao que é. Se não houver nada que possa fazer e você também não puder
escapar da situação, use isso para poder ir mais fundo na entrega, mais fundo
no Agora, mais fundo no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a
mudança sempre acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande
quantidade de atitudes da sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa.
Se fatores internos como o medo, a culpa ou a indolência impedem você de tomar
uma atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.
Não confunda
entrega com uma atitude do tipo “não ligo mais para nada”. Essas atitudes estão
cheias de negatividade na forma de um ressentimento oculto, portanto não se
trata de entrega mas de uma resistência disfarçada. Ao se entregar, dirija a
sua atenção para dentro para verificar se existe algum traço de resistência que
tenha ficado no seu interior. Fique bem alerta ao fazer isso, do contrário um
resíduo de resistência pode ter ficado escondido em algum cantinho escuro, na
forma de um pensamento ou de uma emoção desconhecida.
Em direção a uma ordem de realidade diferente
Não concordo
que o corpo precise morrer. Estou convencido de que podemos obter a
imortalidade física. Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.
O corpo não morre porque acreditamos na morte.
O corpo existe, ou assim parece, porque acreditamos na morte. O corpo e a morte
são partes da mesma ilusão, criada pelo modo egóico de consciência, que não tem
percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo como uma coisa separada e sob
constante ameaça. Assim, ele cria a ilusão de que somos um corpo, um veículo
físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.
A ilusão está em
percebermos a nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e pouco depois
morre. Corpo e morte: uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos manter um
lado da ilusão e nos livrarmos do outro, mas isso é impossível.
Entretanto, você
não pode escapar do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma percepção
incrivelmente distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira
natureza está disfarçada em algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de
fora, portanto o corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.
Se você vê um
anjo, mas o confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você precisa fazer é
adaptar a sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não
olhar para outro lado. Você então percebe que aquilo nunca foi uma estátua de
pedra.
Se a crença na morte cria o corpo, por que um animal
tem corpo? Um animal não tem um ego e não acredita na morte...
Mas ele morre, ou
parece que morre.
Lembre-se de que
a nossa percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de consciência. Não
estamos separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada momento, a
nossa consciência cria o mundo em que habitamos. Um dos maiores insights que
a física moderna teve foi o da unidade entre o observador e o observado: a
pessoa que conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser
separada dos fenômenos observados, e uma nova maneira de olhar leva os
fenômenos observados a se comportarem de maneira diferente. Se você acredita na
separação e na luta pela sobrevivência, vê essa crença refletida à sua volta e
as suas percepções acabam sendo governadas pelo medo. Você vive num mundo de morte,
lutas, uns atacando e matando os outros.
Nada é o que
parece ser. O mundo que você criou e vê através da mente pode parecer um lugar
bem imperfeito, até mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você perceba
é somente uma espécie de símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito pelo
qual a sua consciência interpreta e interage com a dança de energia molecular
do universo. Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física.
Você a vê em termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela
sobrevivência. Existe um número infinito de interpretações diferentes, de
mundos completamente diferentes, tudo dependendo do que a consciência percebe.
Cada ser é um ponto focal da consciência e cada ponto focal cria o seu próprio
mundo, embora todos esses mundos se interliguem. Existe um mundo humano, um
mundo das formigas, um mundo dos golfinhos, etc. Existem incontáveis seres cuja
freqüência de consciência é tão diferente da nossa que provavelmente não temos
consciência da existência deles, assim como eles não têm da nossa. Seres
altamente conscientes da ligação que mantêm com a Fonte habitam um mundo que
para nós pareceria com um domínio celeste. Mas ainda assim todos os mundos são
basicamente um só.
No momento em que
a consciência humana coletiva tiver se transformado, a natureza e o reino
animal irão refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que
no futuro “o leão vai se deitar ao lado da ovelha”. Isso aponta para a
possibilidade de um ordenamento da realidade completamente diferente.
O mundo tal qual
se apresenta para nós é em grande parte um reflexo da mente. Sendo o medo uma
conseqüência inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo dominado pelo
medo. Assim como as imagens em um sonho são símbolos dos estados interiores e
dos sentimentos, assim a nossa realidade coletiva é uma expressão simbólica do
medo e das pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique
coletiva humana. Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria
dos humanos se tornar livre da ilusão egóica, essa mudança interior vai afetar
toda a criação. Vamos, literalmente, viver em um novo mundo. É uma mudança na
consciência do planeta. O estranho ensinamento budista que toda árvore e toda
folha de grama irão finalmente se tornar iluminadas aponta para a mesma
verdade. De acordo com São Paulo, toda a criação está à espera de que os homens
obtenham a iluminação. É assim que interpreto suas palavras: “A criação
aguarda, com impaciência, a revelação dos filhos de Deus”. São Paulo diz que
todo o universo vai se redimir através disso, ao escrever: “Sabemos, com
efeito, que a criação inteira geme, ainda agora, com as dores do parto”.
O que está
nascendo é uma nova consciência e, como um reflexo inevitável, um novo mundo.
Isso também está relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi,
então, um novo Céu e uma nova Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra
desapareceram...”
Mas não confunda
causa e efeito. Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação através da criação
de um mundo melhor, mas sim despertar da nossa identificação com a forma. Não
estamos mais presos a este mundo, a este nível de realidade. Podemos sentir
nossas raízes no Não Manifesto e assim estamos livres do apego ao mundo
manifesto. Ainda podemos desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não
somos mais escravos dessas experiências, não estamos mais em busca de
satisfação através de uma gratificação psicológica, através da alimentação do
ego. Não temos mais medo de perder alguma coisa, portanto não precisamos nos
apegar a este mundo. Estamos em contato com algo infinitamente maior do que
qualquer prazer, maior do que qualquer coisa manifesta. Em um certo sentido,
não precisamos mais do mundo e nem mesmo que ele seja diferente do que é.
É neste ponto que
você começa a dar uma contribuição real para criar um mundo melhor, uma nova
realidade. É neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira
compaixão e de ajudar os outros. Somente aqueles que transcenderam o mundo
conseguem criar um mundo melhor.
Você deve lembrar
que já falamos sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a percepção de
uma ligação tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível
profundo, a compaixão se torna um remédio no sentido mais amplo. Nesse estado,
a sua influência curativa se baseia não no fazer, mas no ser. Todas as pessoas
com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela
paz que você emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver
inteiramente presente e as pessoas à sua volta tiverem um comportamento
inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão
grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca
tivesse existido. Isso quebra o ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as
árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você ensinará através
do ser, através da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do
mundo”, uma emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do
sofrimento. Você eliminará a inconsciência do mundo.
Isso não
significa que você não possa também ensinar através da ação – por exemplo, ao
apontar como se desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no
interior de alguém, etc. Mas quem você é será sempre um ensinamento
transformador do mundo mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e
até mais essencial do que o que você fizer. Além disso, reconhecer a primazia
do Ser – e assim trabalhar no nível da causa – não exclui a possibilidade de
que a sua compaixão possa simultaneamente se manifestar no nível da ação e do
efeito, ao aliviar o sofrimento sempre que você o encontrar. Quando alguém
faminto lhe pedir pão e você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que
o seu contato seja muito breve, o mais importante será esse momento do Ser
partilhado, do qual o pão é apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala
internamente. Nesse momento, não há doador nem receptor.
Como podemos criar um mundo melhor sem acabar primeiro
com grandes males, como a fome e a violência?
Todos os males
são efeito da inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da
inconsciência, mas não podemos eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A
verdadeira transformação acontece no interior, não no exterior.
Querer aliviar o
sofrimento do mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de não se concentrar
exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e
desespero. Sem uma profunda mudança na consciência humana, o sofrimento é um buraco
sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne unilateral. A
empatia com o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser equilibrados
com uma profunda percepção da natureza eterna de todas as coisas e com a
consciência do aspecto ilusório de todos os sofrimentos. Permita que a sua paz
inunde tudo o que você fizer e estará atuando sobre o efeito e a causa ao mesmo
tempo.
Se quiser impedir
que os seres humanos destruam uns aos outros e acabem com o planeta, lembre-se
de que, assim como não consegue combater a escuridão, você também não pode
combater a inconsciência. Se tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar
fortalecida e mais profundamente arraigada. Você vai se identificar com uma das
polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior
inconsciente. Eleve a consciência ao disseminar a informação, ou melhor,
pratique a resistência passiva. Mas tenha a certeza de que você não carrega
nenhuma resistência interior, nenhum ódio, nenhuma negatividade. “Ame os seus
inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa: não tenha inimigos.
Uma vez que você
se envolva em atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder dentro dele.
Fique alerta e muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco
inicial; o ensinamento da iluminação, o seu propósito principal, e a paz, o seu
mais precioso presente para o mundo.
A natureza da compaixão
Tendo
ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um
lago profundo. Sua situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a
superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento,
conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno.
Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a
sua própria profundidade, que permanece absolutamente serena. Você não reage a
uma mudança ao se apegar mentalmente a qualquer situação. A sua paz interior não depende dela. Você se
fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais dependente da satisfação
ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente flutuantes. Você
pode desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas, apreciar a beleza de
todas. Mas não tem mais necessidade de se apegar a nenhuma delas.
Quando você consegue se desprender desse jeito, não
significa que também se distancia dos outros seres humanos?
Pelo contrário.
Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos
vai causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente
vai gostar ou não da forma deles, não só do corpo, mas também da mente deles. O
verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser. A
partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se
fosse uma tela, por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles,
como você sente a sua. Assim, ao se confrontar com o sofrimento de outra pessoa
ou com um comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com o Ser
e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da
outra pessoa. No nível do Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma
conseqüência da identificação com a forma. Milagres de cura às vezes acontecem
através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros
– se estiverem prontos.
Isso é
compaixão?
Sim. A compaixão
é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas
existem dois lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como
ainda estamos aqui como um corpo físico, partilhamos a vulnerabilidade e a
mortalidade da nossa forma física com todos os outros seres humanos e todos os
seres vivos. Na próxima vez que disser “Não tenho nada em comum com essa
pessoa”, lembre-se de que você tem muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos
– dois ou setenta, não faz muita
diferença –, os dois terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada
restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não deixa muito espaço para
o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar
os olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas
as outras criaturas.
Uma das mais
poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das
formas físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra.
Vá fundo nisso. A sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um
momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente.
Nada que é real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.
A realização dessa dimensão eterna, a nossa
verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um nível mais profundo,
podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade, mas também a de
todas as outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a mortalidade e a
precariedade da existência. No nível do Ser, partilhamos a vida eterna e
radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os sentimentos de
tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se
transformam em uma profunda paz interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais
nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um grande poder de
cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever,
ainda é rara. Ter uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um
alto nível de consciência, mas representa apenas um lado da compaixão. Não é
completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia. Não
acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da forma,
a alegria da vida eterna.
Utilizando e abandonando a negatividade
Toda resistência
interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma
resistência. Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A
negatividade vai de uma irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de um
humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a
resistência faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação
banal pode produzir uma negatividade intensa, como a raiva, a depressão ou um
profundo pesar.
O ego acredita
que, através da negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que
deseja. Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou
dissolver uma indesejável. O livro A Course in Miracles (Um curso em
milagres) destaca corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos
infelizes, acreditamos inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o
que queremos. Se “você” – a mente – não acreditou que a infelicidade funciona,
por que a criaria? O fato é que essa negatividade não funciona. Em vez
de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de
desfazer uma circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única
utilidade é que ela fortalece o ego, e essa é a razão pela qual ele a adora.
Uma vez que você
tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela
desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma
mudança positiva. Ela iria ameaçar a sua identidade como uma pessoa depressiva,
zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou sabotar
aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é
completamente antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo
entre o envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que
vem sendo acumulada na psique coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no
planeta conhece a negatividade, somente os seres humanos, assim como nenhuma
outra forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma
flor infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de auto-estima,
um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro com ódio e ressentimento? Os
únicos animais que eventualmente vivenciam alguma coisa semelhante à
negatividade, ou mostram sinais de comportamento neurótico, são os que vivem em
contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à mente humana e à
insanidade deles.
Observe as
plantas e animais, aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se
entregar ao Agora. Deixe que eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade
– estar em unidade, ser você mesmo, ser verdadeiro. Aprenda como viver e como
morrer, e como não fazer do viver e do morrer um problema.
Vivi com alguns
mestres zen – todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram
importantes lições espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam
em paz, de bem com eles mesmos, totalmente presentes no Agora, dignos e
perfeitos, tanto quanto uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no
entanto, dois patos vão se envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma
razão aparente ou porque um pato penetrou no espaço particular do outro. A
briga geralmente dura só alguns segundos e então os patos se separam, nadam em
direções opostas e batem suas asas com força, por algumas vezes. Então
continuam a nadar em paz, como se a briga nunca tivesse acontecido. Quando
observei isso pela primeira vez, percebi, num relance, que ao bater as asas
eles estavam soltando a energia acumulada, evitando assim que ela ficasse
aprisionada no corpo e se transformado em negatividade. Isso é sabedoria
natural. É fácil para eles porque não têm uma mente para manter vivo o passado,
sem necessidade, e então construir uma identidade em volta dele.
Uma emoção negativa não poderia também conter uma
mensagem importante? Por exemplo, se me sinto deprimido com freqüência, será
que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e isso
pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?
Poderia. As
emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre
com as doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu
trabalho, seus relacionamentos ou seu ambiente, é apenas uma máscara, a menos
que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. E até onde isso
interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver
alcançado um certo grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe
dizer o que é necessário na sua situação de vida. Mas, enquanto a negatividade estiver
lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar
mais presente.
Como impedimos que a negatividade surja e como nos
livramos dela, já que está lá?
Como já afirmei,
você não deixa que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime.
Ainda são poucas as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo
de presença, embora algumas já estejam chegando bem perto. Acredito que logo
serão muitas.
Sempre que
perceber alguma forma de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para
ela como um fracasso, mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde.
Largue a sua mente. Esteja presente”.
Existe um romance
de Aldous Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida,
quando ele ficou muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a
história de um homem que naufragou perto de uma ilha isolada do resto do mundo.
Essa ilha era habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre ela
é que seus habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A
primeira coisa que o náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados
nas árvores, que davam a impressão de estar repetindo as palavras “Atenção.
Aqui e agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes da
ilha ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados
para ficar presentes.
Portanto, sempre
que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator
externo, um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse
uma voz dizendo “Atenção. Aqui e Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve
irritação é significativa e precisa ser conhecida e observada. Do contrário,
haverá um aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei
anteriormente, você pode descartá-la assim que perceber que não quer ter esse
campo de energia no seu interior e que ele não tem nenhum objetivo. Mas
certifique-se de que você se livrou completamente dela. Se não conseguir,
simplesmente aceite que ela está ali e concentre a sua atenção no sentimento.
Uma alternativa
para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo
se tornando transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você
pratique primeiro com as coisas do dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em
casa. De repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente de carro.
Surge uma irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por
que você a criou? Você não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação
totalmente automática, totalmente inconsciente. Por que a mente a criou? Porque
ela sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve
como alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição
indesejada. Isso naturalmente é uma ilusão. A resistência que ela cria, nesse
caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa original
que ela está tentando desfazer.
Tudo isso pode
ser transformado em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a
solidez de um corpo material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver
causando a emoção negativa, passe através de você. Ele não está mais golpeando
uma “parede” sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as coisas
simples. O alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em
vez de ter uma parede de resistência dentro de você, que é atingida de modo
constante e doloroso pelas coisas que “não deveriam estar acontecendo”, deixe
que tudo passe através de você.
Alguém diz alguma
coisa grosseira para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente
e uma negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você
deixa isso passar através de você. Não ofereça resistência. É como se não
existisse mais ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse sentido,
você se torna invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é
inaceitável, se você escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o
poder de controlar o seu estado interior. Você passa a estar em seu poder – não mais em poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de
carro, uma pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos
os seus bens, o mecanismo de resistência é o mesmo.
Pratico a
meditação,.freqüento seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de
um estado de não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a
verdadeira paz interior, minha resposta teria que ser “não”. Por que não a
encontrei? O que mais
posso fazer?
Você ainda está
procurando lá fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo
seminário lhe traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não
busque a paz. Não busque nenhum outro estado além daquele em que você está
agora, do contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência
inconsciente. Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você
aceitar completamente a sua intranqüilidade, ela se transformará em paz.
Qualquer coisa que você aceite completamente vai lhe levar até lá, vai levar
você até a paz. Esse é o milagre da entrega.
Você já deve ter
ouvido a frase “dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou
há dois mil anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da
não-resistência e da não-reação. Nessas palavras, como em todas as que
proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com
a conduta externa da nossa vida.
Você conhece a
história de Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou
muitos anos perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto
andava pelo mercado, ouviu uma conversa entre um açougueiro e seu freguês. “Me
dê o melhor pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o açougueiro
respondeu: “Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de
carne aqui que não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou
iluminado.
Posso ver você
esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de
carne – todo momento – é o melhor. Isso é iluminação.
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