sábado, 16 de fevereiro de 2013

A natureza da compaixão



Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento, conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno. Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que permanece absolutamente serena. Você não reage a uma mudança ao se apegar mentalmente a qualquer situação. A sua paz interior não depende dela. Você se fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais dependente da satisfação ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente flutuantes. Você pode desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas, apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de se apegar a nenhuma delas.

Quando você consegue se desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres humanos?

Pelo contrário. Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou não da forma deles, não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser. A partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela, por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se confrontar com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa. No nível do Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma conseqüência da identificação com a forma. Milagres de cura às vezes acontecem através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros – se estiverem prontos.

Isso é compaixão?

Sim. A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas existem dois lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda estamos aqui como um corpo físico, partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa forma física com todos os outros seres humanos e todos os seres vivos. Na próxima vez que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que você tem muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita diferença –, os dois terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não deixa muito espaço para o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar os olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas as outras criaturas.

Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que é real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.



A realização dessa dimensão eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um nível mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade, mas também a de todas as outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser, partilhamos a vida eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os sentimentos de tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se transformam em uma profunda paz interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um grande poder de cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever, ainda é rara. Ter uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um alto nível de consciência, mas representa apenas um lado da compaixão. Não é completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia. Não acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da forma, a alegria da vida eterna.

Nenhum comentário: